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Veias Abertas

Atualizado: 21 de jun. de 2022

Guia para os habitantes da cidade – “V”

Bertolt Brecht



Sou uma merda. De mim

Nada posso exigir senão

Fraqueza, traição e decadência

Mas um dia percebo:

Está melhorando, o vento

Sopra em minhas velas, chegou minha vez, posso

Ser mais que uma merda —

Começo a sê-lo agora mesmo.


Sendo uma merda notei que

Ao me embriagar, deito-me


Simplesmente e não sei

Quem está em cima de mim; agora não bebo mais —

Acabo de parar.


Para me manter viva, tive, infelizmente,

De fazer

Uma porção de coisas que me prejudicaram; tomei

Do veneno que teria

Matado quatro cavalos, mas só assim

Pude me manter viva; por um tempo

Usei cocaína, até parecer

Uma vara seca

Mas então me vi no espelho —

E parei imediatamente com isso.


Tentaram, naturalmente, infectar-me

Com sífilis, mas

Não conseguiram; só puderam me envenenar

Com arsênico: eu tinha a meu lado

Tubos que dia e noite drenavam pus. Quem imaginaria

Que uma tal mulher

Pudesse de novo enlouquecer os homens? —

Recomecei imediatamente a podê-lo.


Não fiquei com nenhum homem que não

Tivesse feito algo por mim; fiquei

Com todos de que precisei. Quase

Não tenho sentimentos, quase não me excito mais

Contudo,

Sempre me recupero; tenho momentos bons e ruins, mas

No final, mais bons do que ruins.


Noto que ainda chamo minha inimiga

De porca velha, e ela, como inimiga, logo percebe

Que um homem está a observá-la.

Mas, dentro de um ano,

Terei parado com isso —

Já comecei a parar.


Sou uma merda, mas

acabarei por tirar partido de tudo; vou

Subir, sou

Inevitável, sou a geração de amanhã

Logo já não serei nenhuma merda, mas

A dura argamassa com que

Se constrói a cidade.


(Isso eu ouvi de uma mulher)


(trad. Tércio Redondo)

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