Veias Abertas
- URRO
- 4 de nov. de 2020
- 16 min de leitura
Atualizado: 21 de jun. de 2022
Angela Davis: Mulheres trabalhadoras, mulheres negras e a história do movimento sufragista

Em janeiro de 1868, quando Susan B. Anthony publicou a primeira edição de Revolution, as trabalhadoras – cuja presença na força de trabalho havia crescido nos últimos tempos – começaram a defender seus direitos abertamente. Durante a Guerra Civil, mais do que nunca as mulheres brancas foram trabalhar fora de casa. Em 1870, embora 70% das mulheres trabalhadoras fossem domésticas, um quarto de toda a força de trabalho, excetuando-se a mão de obra rural, era constituída por mulheres. Na indústria de confecções, elas já tinham se tornado maioria.
Nessa época, o movimento operário era uma força econômica em rápida expansão, compreendendo nada menos do que trinta sindicatos organizados nacionalmente. No interior do movimento operário, entretanto, a influência da supremacia masculina era tão forte que apenas as categorias dos produtores de cigarros e dos gráficos abriam suas portas para as mulheres. Mas algumas trabalhadoras tentaram se organizar por conta própria. Durante a Guerra Civil e no período imediatamente posterior, as costureiras constituíam o maior grupo de mulheres que trabalhavam fora de casa.
Conforme os trabalhadores negros explicaram em uma resolução, havia o desejo de não cometerem “os erros praticados outrora por nossos concidadãos brancos ao excluir as mulheres”.
Quando elas começaram a se organizar, o espírito da sindicalização se espalhou de Nova York a Boston e Filadélfia, alcançando todas as grandes cidades onde a indústria de confecções prosperava. Quando a National Labor Union [Federação Sindical Nacional; NLU, na sigla original] foi fundada, em 1866, seus delegados foram obrigadas a reconhecer os esforços das costureiras. Por iniciativa de William Sylvis, a convenção decidiu apoiar não apenas as “filhas da labuta da terra” (como as costureiras eram chamadas), mas também a sindicalização geral das mulheres e a completa equiparação salarial com os homens. Quando a Federação Sindical Nacional se reuniu novamente, em 1868, elegendo Sylvis presidente, a presença de várias mulheres como delegadas, incluindo Elizabeth Cady Stanton e Susan B. Anthony, obrigou a convenção a aprovar resoluções mais contundentes e, em linhas gerais, começar a tratar a causa dos direitos das trabalhadoras com mais seriedade. As mulheres foram bem recebidas na convenção de fundação da National Colored Labor Union [Federação Sindical Nacional do Operariado de Cor; NCLU, na sigla original], em 1869. Conforme os trabalhadores negros explicaram em uma resolução, havia o desejo de não cometerem “os erros praticados outrora por nossos concidadãos brancos ao excluir as mulheres”. Essa organização operária negra, criada em função das políticas excludentes dos grupos operários brancos, provou na prática estar mais seriamente comprometida com os direitos das trabalhadoras do que organizações brancas anteriores semelhantes. Enquanto a NLU apenas aprovava resoluções de apoio à igualdade das mulheres, a NCLU elegeu uma mulher, Mary S. Carey, para atuar no comitê executivo de elaboração das políticas da organização. Susan B. Anthony e Elizabeth Cady Stanton não registraram qualquer reconhecimento às realizações antissexistas da organização operária negra. Provavelmente, elas estavam muito concentradas na luta pelo sufrágio para perceber aquele importante avanço.
Uma vez estabelecido como uma realidade concreta, o sufrágio feminino traria um período de felicidade e paz para as mulheres, parecia dizer o jornal – e o triunfo final da moralidade para a nação como um todo
Na primeira edição de Revolution, jornal de Susan B. Anthony financiado pelo democrata racista George Francis Train, a mensagem geral era que as mulheres deveriam aspirar ao voto. Uma vez estabelecido como uma realidade concreta, o sufrágio feminino traria um período de felicidade e paz para as mulheres, parecia dizer o jornal – e o triunfo final da moralidade para a nação como um todo. Devemos mostrar que o voto assegurará à mulher uma posição igual e salários iguais no mundo do trabalho; que abrirá para ela as escolas, as faculdades, as carreiras profissionais e todas as oportunidades e vantagens da vida; que ela terá em suas mãos um poder moral de deter a onda de crime e de miséria em todos os lugares. Embora sua visão com frequência estivesse concentrada de modo muito restrito na questão do voto, o Revolution desempenhou um papel importante nas lutas das trabalhadoras durante os dois anos em que foi publicado. A reivindicação pela jornada de oito horas diárias era repetidamente levantada nas páginas do jornal, assim como o lema antissexista “salário igual para trabalho igual”. De 1868 a 1870, as trabalhadoras – especialmente as de Nova York – podiam contar com o Revolution para divulgar suas queixas, bem como suas greves, estratégias e metas. O envolvimento de Anthony nas lutas operárias das mulheres no período pós-guerra não se restringia à solidariedade jornalística. Ao longo do primeiro ano de publicação de seu jornal, ela e Stanton usaram a sede do Revolution para organizar as operárias do setor gráfico na Associação de Mulheres Trabalhadoras.
Assim como relutaram em admitir que a libertação negra poderia reivindicar uma prioridade momentânea em relação a seus próprios interesses como mulheres brancas, elas não abraçaram integralmente os princípios fundamentais da unidade e da solidariedade de classe, sem os quais o movimento operário permaneceria impotente.
Pouco depois, o Sindicato Nacional de Tipógrafos se tornou o segundo a aceitar mulheres e, na redação do Revolution, foi criado o Sindicato de Mulheres Tipógrafas, Regional 1. Graças à iniciativa de Susan B. Anthony, uma segunda Associação de Mulheres Trabalhadoras foi organizada posteriormente entre as costureiras. Embora Susan B. Anthony, Elizabeth Cady Stanton e suas colegas do jornal tenham dado importantes contribuições para a causa das trabalhadoras, elas nunca aceitaram realmente os princípios do sindicalismo. Assim como relutaram em admitir que a libertação negra poderia reivindicar uma prioridade momentânea em relação a seus próprios interesses como mulheres brancas, elas não abraçaram integralmente os princípios fundamentais da unidade e da solidariedade de classe, sem os quais o movimento operário permaneceria impotente. Aos olhos das sufragistas, “mulher” era o critério definitivo – se a causa da mulher pudesse ser impulsionada, não era errado que as mulheres furassem as greves estipuladas pelos trabalhadores do sexo masculino da mesma atividade. Em 1869, Susan B. Anthony foi banida da convenção da Federação Sindical Nacional por haver encorajado as tipógrafas a furar greve. Ao se defender durante a convenção, Anthony declarou que os homens sofrem grandes males no mundo entre a existência do trabalho e do capital, mas esses males, se comparados com os males das mulheres, diante de quem as portas de mercados e profissões são fechadas com força, não são nem um grão de areia na praia. A postura de Anthony e Stanton durante esse episódio foi surpreendentemente similar à posição antinegra das sufragistas no interior da Associação pela Igualdade de Direitos. Assim como atacaram os homens negros quando perceberam que os ex-escravos poderiam obter o direito de voto antes das mulheres brancas, Anthony e Stanton se revoltaram de modo semelhante contra os homens da classe trabalhadora. Stanton insistia que a exclusão da NLU provava “o que o Revolution havia dito repetidas vezes, que os piores inimigos do sufrágio feminino sempre serão as classes de homens trabalhadores”. “Mulher” era o critério, mas nem toda mulher parecia estar qualificada. As mulheres negras, claro, eram praticamente invisíveis no interior da longa campanha pelo sufrágio feminino. Quanto às mulheres brancas da classe trabalhadora, as líderes sufragistas provavelmente ficaram impressionadas, no início, com seus esforços de organização e sua militância. Mas, como se viu depois, as próprias trabalhadoras não abraçaram a causa do sufrágio feminino com entusiasmo.
De acordo com Anthony, “a grande vantagem que diferencia os operários desta república é que o filho do cidadão mais humilde, negro ou branco, tem oportunidades iguais às do filho do homem mais rico do país”. Susan B. Anthony jamais teria feito uma afirmação dessas se estivesse familiarizada com a realidade das famílias da classe trabalhadora.
Embora Susan B. Anthony e Elizabeth Cady Stanton tenham persuadido diversas líderes operárias a protestar contra a não concessão do voto às mulheres, a massa das trabalhadoras estava muito mais preocupada com seus problemas imediatos – salários, jornadas, condições de trabalho – para lutar por uma causa que parecia imensamente abstrata. De acordo com Anthony, “a grande vantagem que diferencia os operários desta república é que o filho do cidadão mais humilde, negro ou branco, tem oportunidades iguais às do filho do homem mais rico do país”. Susan B. Anthony jamais teria feito uma afirmação dessas se estivesse familiarizada com a realidade das famílias da classe trabalhadora. Como as mulheres trabalhadoras bem sabiam, seus pais, irmãos, maridos e filhos que exerciam o direito de voto continuavam a ser miseravelmente explorados por seus ricos empregadores. A igualdade política não abrira a porta da igualdade econômica. “As mulheres querem pão, não voto” era o nome de um discurso que Susan B. Anthony frequentemente fazia ao recrutar mais trabalhadoras para a luta sufragista. Como o título indica, ela criticava a tendência das trabalhadoras de focar em suas necessidades imediatas. Mas elas naturalmente procuravam soluções tangíveis para seus problemas econômicos imediatos. E raramente se sensibilizavam com a promessa das sufragistas de que o voto permitiria que se tornassem iguais aos homens – seus companheiros explorados e sofridos. Até mesmo as integrantes da Associação de Mulheres Trabalhadoras, organizada por Anthony na sede de seu jornal, votaram por renunciar à luta pelo sufrágio. “A sra. Stanton estava ansiosa para ter uma associação de trabalhadoras sufragistas”, explicou a primeira vice-presidente da Associação. “Houve uma votação, e isso foi descartado. Em determinado momento, a sociedade era composta por mais de cem trabalhadoras, mas, uma vez que nada prático foi feito para melhorar sua condição, elas gradualmente se retiraram.”
Aos olhos de Anthony, “a oligarquia mais odiosa já estabelecida na face da Terra” foi a dominação do homem sobre a mulher.
No início de sua carreira como líder do movimento pelos direitos das mulheres, Susan B. Anthony concluiu que o voto continha o verdadeiro segredo da emancipação feminina e que o próprio sexismo era muito mais opressivo do que a desigualdade de classe e o racismo. Aos olhos de Anthony, “a oligarquia mais odiosa já estabelecida na face da Terra” foi a dominação do homem sobre a mulher. Uma oligarquia de riqueza, na qual os ricos governam os pobres; uma oligarquia de educação, na qual os instruídos governam os iletrados; ou mesmo uma oligarquia de raça, na qual os anglo-saxões dominam os africanos, pode ser suportada; mas essa oligarquia de sexo, que faz dos pais, irmãos, maridos e filhos os oligarcas superiores à mãe e às irmãs, à esposa e às filhas de cada família; que decreta que todos os homens são soberanos e todas as mulheres, súditas – carrega a discórdia e a revolta para o interior de cada lar da nação. A posição firmemente feminista de Anthony também era um reflexo incondicional da ideologia burguesa. E foi provavelmente devido aos poderes enganadores da ideologia que ela não conseguiu perceber que tanto as mulheres da classe trabalhadora quanto as mulheres negras estavam fundamentalmente unidas a seus companheiros pela exploração de classe e pela opressão racista, que não faziam discriminação de sexo. Embora o comportamento sexista de seus companheiros precisasse, sem dúvida, ser contestado, o inimigo real – o inimigo comum – era o patrão, o capitalista ou quem quer que fosse responsável pelos salários miseráveis, pelas insuportáveis condições de trabalho e pela discriminação racista e sexista no trabalho.
Quando as mulheres da indústria de confecções de Nova York entraram em greve durante o inverno de 1909-1910, no famoso “Levante das 20 mil”, o voto começou a adquirir particular relevância para a luta das trabalhadoras.
As trabalhadoras não se uniram em massa para levantar a bandeira do sufrágio até o início do século XX, quando suas próprias lutas criaram motivos especiais para que reivindicassem o direito ao voto. Quando as mulheres da indústria de confecções de Nova York entraram em greve durante o inverno de 1909-1910, no famoso “Levante das 20 mil”, o voto começou a adquirir particular relevância para a luta das trabalhadoras. Como as líderes operárias começaram a argumentar, as trabalhadoras poderiam usar o voto para exigir salários mais altos e melhores condições de trabalho. O sufrágio feminino poderia servir como uma arma poderosa na luta de classes.
Vocês podem nos dizer que nosso lugar é em casa. Somos 8 milhões nestes Estados Unidos que precisam sair todos os dias para ganhar o pão e viemos lhes dizer que, enquanto estamos trabalhando nas usinas, nas minas, nas fábricas e nas casas comerciais, não temos a proteção que deveríamos ter.
Depois que o trágico incêndio da empresa Triangle Shirtwaist, em Nova York, tirou a vida de 146 mulheres, a necessidade de uma legislação que proibisse condições de trabalho insalubres para as mulheres se tornou drasticamente óbvia. Em outras palavras, as trabalhadoras precisavam do voto a fim de garantir sua sobrevivência. A Liga dos Sindicatos de Mulheres promoveu a criação de Ligas das Assalariadas pelo Sufrágio. Uma proeminente integrante da Liga pelo Sufrágio de Nova York, Leonora O’Reilly, elaborou uma poderosa defesa trabalhista do direito da mulher ao voto. Dirigindo sua argumentação aos políticos antissufragistas, ela também questionou a legitimidade do culto predominante da maternidade. Vocês podem nos dizer que nosso lugar é em casa. Somos 8 milhões nestes Estados Unidos que precisam sair todos os dias para ganhar o pão e viemos lhes dizer que, enquanto estamos trabalhando nas usinas, nas minas, nas fábricas e nas casas comerciais, não temos a proteção que deveríamos ter. Vocês têm feito nossas leis, e as leis que vocês fizeram não são boas para nós. Ano após ano, as trabalhadoras têm se dirigido à legislatura de cada estado e tentado explicar suas necessidades [...]. Agora, declaravam Leonora O’Reilly e suas irmãs da classe trabalhadora, elas lutariam pelo voto – e de fato o usariam como arma para retirar do cargo todos os legisladores cuja lealdade estava com as grandes empresas. As mulheres da classe trabalhadora reivindicavam o direito ao sufrágio como um braço para ajudá-las na luta de classes em andamento.
De fato, as mulheres socialistas trouxeram uma nova energia para o movimento sufragista e defenderam uma visão de luta que vinha das experiências de suas irmãs da classe trabalhadora. Dos 8 milhões de mulheres que integravam a força de trabalho na primeira década do século XX, mais de 2 milhões eram negras.
Essa nova perspectiva no interior da campanha pelo sufrágio feminino evidenciava a influência crescente do movimento socialista. De fato, as mulheres socialistas trouxeram uma nova energia para o movimento sufragista e defenderam uma visão de luta que vinha das experiências de suas irmãs da classe trabalhadora. Dos 8 milhões de mulheres que integravam a força de trabalho na primeira década do século XX, mais de 2 milhões eram negras. Na condição de mulheres que sofriam com a combinação das restrições de sexo, raça e classe, elas tinham um poderoso argumento pelo direito ao voto. Mas o racismo operava de forma tão profunda no interior do movimento sufragista feminino que as portas nunca se abriram de fato às mulheres negras. As políticas excludentes da Nawsa não dissuadiram inteiramente as mulheres negras de apresentar suas reivindicações pelo voto. Ida B. Wells, Mary Church Terrell e Mary McLeod Bethune estavam entre as sufragistas negras mais conhecidas. Margaret Murray Washington, que foi uma figura de liderança da Associação Nacional das Mulheres de Cor, confessou que, “pessoalmente, o sufrágio feminino nunca me fez perder o sono à noite [...]”. Essa indiferença casual pode ter sido uma reação à postura racista da Associação Nacional Estadunidense pelo Sufrágio Feminino, já que Washington também argumentava que as mulheres de cor, quase tanto quanto os homens de cor, compreendem que se um dia existir igualdade na justiça e nas regras de proteção em todas as cortes para todas as raças, deverá então haver oportunidades iguais para as mulheres, assim como para os homens, de expressar suas preferências por meio do voto. Como Washington destaca, a Associação Nacional das Agremiações de Mulheres de Cor criou um Departamento de Sufrágio para compartilhar com suas integrantes informações sobre questões governamentais, “de modo que as mulheres estejam preparadas para votar com inteligência e sabedoria [...]”. Todo o movimento das agremiações de mulheres negras estava imbuído do espírito do sufrágio feminino – e, apesar da recusa por parte da Nawsa, continuou a defender o direito das mulheres ao voto. Quando a Federação de Agremiações de Mulheres Negras do Nordeste apresentou seu pedido de filiação à Nawsa, já em 1919 – apenas um ano antes da conquista do voto –, a resposta das líderes foi repetir a mesma rejeição que, um quarto de século antes, Susan B. Anthony impôs às sufragistas negras. Ao informar a federação que seu pedido não poderia ser analisado, a líder da Nawsa explicou que, caso se espalhe pelos estados do Sul a notícia de que, neste momento altamente crítico, a Associação Nacional Estadunidense admitiu uma organização de 6 mil mulheres de cor, os inimigos podem suspender seus esforços – a derrota da emenda estará assegurada. Ainda assim, as mulheres negras apoiaram a batalha pelo sufrágio até o último minuto. Ao contrário de suas irmãs brancas, as sufragistas negras contavam com o apoio de muitos de seus companheiros.
Concluindo o artigo com uma observação séria, Du Bois cita uma das manifestantes brancas, que destacou como os homens negros foram, de modo unânime, respeitosos. Dos milhares que assistiram à parada, “nenhum deles foi agressivo ou rude [...]. A diferença entre eles e aqueles homens brancos, insolentes e arrogantes, era notável”.
Assim como um homem negro – Frederick Douglass – fora o mais importante defensor, entre os homens, da igualdade das mulheres no século XIX, W. E. B. Du Bois surgiu como o principal defensor do sufrágio feminino no século XX. Em um artigo satírico sobre a manifestação sufragista de Washington, em 1913, Du Bois descreveu os homens brancos que distribuíram tanto insultos quanto golpes – e mais de cem pessoas ficaram feridas – como os sustentáculos das “gloriosas tradições da masculinidade anglo-saxã”. “Não foi glorioso? Quando tamanhas façanhas são realizadas pelos Líderes da Civilização, você não arde de vergonha por ser um mero homem negro? Você não fica ‘envergonhado de sua raça’? Não fica com ‘vontade de ser branco’?” Concluindo o artigo com uma observação séria, Du Bois cita uma das manifestantes brancas, que destacou como os homens negros foram, de modo unânime, respeitosos. Dos milhares que assistiram à parada, “nenhum deles foi agressivo ou rude [...]. A diferença entre eles e aqueles homens brancos, insolentes e arrogantes, era notável”. Essa manifestação, cujos espectadores do sexo masculino mais solidários eram negros, foi rigidamente segregada pelas organizadoras brancas. Elas, inclusive, instruíram Ida B. Wells a deixar a delegação de Illinois e marchar ao lado do grupo negro segregado – em deferência às mulheres brancas do Sul. A solicitação foi feita em público durante o ensaio da delegação de Illinois e, enquanto a sra. Barnett [Ida Wells] olhava ao redor em busca de apoio, as senhoras discutiam a questão princípios versus conveniência, a maioria delas claramente sentindo que não deviam colocar as sulistas contra o sufrágio. Entretanto, Ida B. Wells não se submetia a instruções racistas e, no momento da manifestação, infiltrou-se na seção de Illinois.
Em seus discursos e artigos, ele saudava o crescente papel de liderança desempenhado pelas mulheres negras, que “se movem silenciosamente, mas de modo impetuoso, rumo à liderança intelectual da raça”.
Enquanto defensor do sufrágio feminino, W. E. B. Du Bois era inigualável, tanto entre homens negros como entre os brancos. Sua militância, sua eloquência e o caráter principista de seus numerosos apelos levavam muitos de seus contemporâneos a vê-lo como o mais excepcional defensor da igualdade política das mulheres em sua época. Os apelos de Du Bois eram impressionantes não apenas por sua lucidez e seu poder de persuasão, mas também pela relativa ausência de conotações baseadas na ideia de supremacia masculina. Em seus discursos e artigos, ele saudava o crescente papel de liderança desempenhado pelas mulheres negras, que “se movem silenciosamente, mas de modo impetuoso, rumo à liderança intelectual da raça”. Embora alguns homens tivessem interpretado esse poder crescente das mulheres como um claro sinal de alerta, W. E. B. Du Bois argumentava que, pelo contrário, essa situação tornava especialmente urgente a extensão do voto às mulheres negras. “A concessão do voto a essas mulheres não será a mera duplicação de nosso voto e de nossa voz no país”, mas levará a uma “vida política normal e mais forte”.
“Por sua posição peculiar, a mulher de cor adquiriu claros poderes de observação e julgamento – exatamente o tipo de poder que hoje é particularmente necessário para construir um país ideal.”
Em 1915, um artigo intitulado “Votes for Women: A Symposium by Leading Thinkers of Colored America” [Votos para mulheres: um simpósio com intelectuais de destaque da América de cor] foi publicado por Du Bois no jornal The Crisis. Tratava-se da transcrição de um fórum, cuja lista de participantes incluía juízas e juízes, pastoras e pastores, docentes do ensino superior, autoridades eleitas para cargos representativos, lideranças religiosas e profissionais da pedagogia. Charles W. Chesnutt, o reverendo Francis J. Grimké, Benjamin Brawley e o juiz honorário Robert H. Terrell eram alguns dos muitos homens defensores do sufrágio feminino que falaram durante o simpósio. Entre as mulheres estavam Mary Church Terrell, Anna Jones e Josephine St. Pierre Ruffin. A vasta maioria das mulheres que participaram do fórum sobre o sufrágio feminino era filiada à Associação Nacional das Mulheres de Cor. Surpreendentemente, em suas declarações, foram poucas as invocações ao argumento – popular entre as sufragistas brancas – de que a “natureza especial” das mulheres, sua domesticidade e sua moralidade inata davam a elas um direito especial ao voto. Havia uma gritante exceção, entretanto. Nannie H. Burroughs – educadora e líder religiosa – levou a tese da moralidade feminina tão longe a ponto de insinuar a absoluta superioridade das mulheres negras sobre seus companheiros. As mulheres precisavam votar, insistiu Burroughs, porque os homens tinham “trocado e vendido” essa valiosa arma. A mulher negra [...] precisa do voto para recuperar, pelo uso sensato, o que o homem negro perdeu A mulher negra [...] precisa do voto para recuperar, pelo uso sensato, o que o homem negro perdeu pelo abuso. Ela precisa do voto para resgatar sua raça. [...] Uma comparação com os homens de sua raça, em questões morais, é condenável. Ela carrega os fardos da igreja e da escola e sustenta muito mais do que a parte que lhe cabe na economia do lar. [29] Entre a cerca de uma dúzia de mulheres participantes, Burroughs assumiu sozinha a posição que se baseava no intrincado argumento de que as mulheres eram moralmente superiores aos homens (o que implicava, é claro, que eram inferiores quanto à maioria dos outros aspectos). Mary Church Terrell falou sobre “O sufrágio feminino e a décima quinta emenda” [“Woman Suffrage and the Fifteenth Amendment”], Anna Jones, sobre “O sufrágio feminino e a reforma social” [“Woman Suffrage and Social Reform”] e Josephine St. Pierre Ruffin relatou suas experiências históricas na campanha pelo sufrágio feminino. Outras mulheres se concentraram em observações sobre as trabalhadoras, educação, crianças e vida associativa. Ao concluir seus comentários sobre “Mulheres e mulheres de cor” [“Women and Colored Women”], Mary Talbert resumiu a admiração pelas mulheres negras expressa ao longo do simpósio. “Por sua posição peculiar, a mulher de cor adquiriu claros poderes de observação e julgamento – exatamente o tipo de poder que hoje é particularmente necessário para construir um país ideal.” [30] As mulheres negras estavam mais do que dispostas a colaborar com seus “claros poderes de observação e julgamento” para a criação de um movimento multirracial pelos direitos políticos das mulheres. Mas, a cada tentativa, elas eram traídas, menosprezadas e rejeitadas pelas líderes do branco como leite movimento sufragista feminino.
Depois da aguardada vitória do sufrágio feminino, as mulheres negras do Sul foram violentamente impedidas de exercer seu direito recentemente adquirido.
Tanto para as sufragistas quanto para as integrantes do movimento associativo, as mulheres negras eram seres meramente dispensáveis quando se tratava de conquistar o apoio das brancas do Sul. Quanto à campanha pelo sufrágio feminino, aparentemente, todas as concessões feitas às mulheres sulistas fizeram muito pouca diferença no final. Quando os votos pela décima nona emenda foram totalizados, os estados do Sul ainda estavam alinhados no campo da oposição – e, de fato, quase conseguiram derrotar a emenda. Depois da aguardada vitória do sufrágio feminino, as mulheres negras do Sul foram violentamente impedidas de exercer seu direito recentemente adquirido. A erupção da violência da Ku Klux Klan em locais como Orange County, na Flórida, causou ferimentos e mortes de mulheres e crianças negras. Em outros lugares, elas foram proibidas de exercer o novo direito de forma mais pacífica. Em Americus, na Geórgia, por exemplo, “mais de 250 mulheres de cor foram às urnas para votar, mas [...] acabaram rechaçadas ou tiveram suas cédulas recusadas pelos supervisores eleitorais [...]”. Nas fileiras do movimento que havia lutado de maneira tão fervorosa pela concessão do direito de voto às mulheres, dificilmente se ouviu um grito de protesto.
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