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Veias abertas

Atualizado: 21 de jun. de 2022

PORQUE EU SOU ANARQUISTA

Publicado Originalmente na Revista Liberty (Londres) Nr. 03, em Março de 1896.




Sou anarquista porque a Anarquia sozinha, por meio da liberdade e justiça baseada na igualdade de direitos, fará a humanidade feliz, e porque a Anarquia é a ideia sublime concebível pelo homem. Hoje, é o ápice da sabedoria humana, aguardando descobertas de progresso inesperado em novos horizontes, à medida que as ideias rolam e se sucedem num círculo cada vez mais alargado.


O homem só estará consciente quando estiver livre. A Anarquia será, portanto, a completa separação entre os rebanhos humanos, compostos de escravos e tiranos, como existem hoje, e a humanidade livre do amanhã. Logo que o homem, seja quem for, chega ao poder, sofre sua influência fatal e é corrompido; Ele usa a força para defender sua pessoa. Ele é o Estado; E ele considera que uma propriedade para ser usado para seu benefício, como um cão assim considera o osso. Se o poder torna um homem egoísta e cruel, a servidão o degrada. Um escravo é muitas vezes pior do que seu mestre; Ninguém sabe quão tirano ele seria como um mestre se sua própria fortuna, evidentemente inexistente, ou sua vida estivessem em jogo.


Nossa época está tão morta quanto a era das pedras.

Para acabar com a terrível miséria em que a humanidade sempre arrastou uma existência sangrenta e dolorosa, é preciso incitar corações corajosos cada vez mais a lutar pela justiça e pela verdade. A hora está próxima: acelerada pelos crimes dos governantes, pela severidade da lei, pela impossibilidade de viver nessas circunstâncias, por milhares de infelizes sem esperança, pelas desumanas torturas, pela melhoria ilusória de instituições gangrenadas, pela alternância de poder que mais se parece com uma alternância de eterno sofrer, e pelo amor natural do homem pela vida; Todo homem, como toda raça, olha ao redor esperando reconhecer de que lado virá a revolução.


A Anarquia não iniciará ou manterá misérias eternas para o povo, e a humanidade, em seu voo de desespero, se apegará a ela para sair do abismo. É a ascensão áspera da rocha que conduzirá à cimeira; afinal, a humanidade não pode mais se agarrar a pedras rolantes e tufos de grama nesse eterno cair.


A Anarquia é o novo ideal, cujo progresso nada pode impedir. Nossa época está tão morta quanto a era das pedras. Se a morte ocorreu ontem ou há mil anos atrás, seus vestígios de vida estão completamente perdidos. O fim da época pela qual estamos passando é apenas uma necrópole cheia de cinzas e ossos.


Poder, autoridade, privilégios já não existem para pensadores, artistas ou para qualquer um que tente se rebelar contra esse mal comum. A ciência descobre forças desconhecidas que o estudo ainda simplificará. O desaparecimento da ordem das coisas que vemos atualmente está próximo. O mundo, até agora dividido entre alguns seres privilegiados, será retomado por todos. E só o ignorante ficará espantado com a conquista da humanidade sobre a bestialidade antiga.


...é impossível aliar a liberdade com o poder, e que uma revolução cujo objetivo é qualquer forma de governo seria seria apenas uma ilusão...

Eu me tornei definitivamente uma anarquista quando enviada para Nova Caledônia, em um navio do Estado, a fim de me levar ao arrependimento e como punição por ter lutado pela liberdade. Eu e meus companheiros fomos mantidos em gaiolas como leões ou tigres durante quatro meses. Como vista tínhamos, vez ou outra, céu e mar, raramente a vela branca de um navio no horizonte ou as asas de um pássaro rasgando o céu. Essa impressão e a extensão dela nos foram esmagadoras. Tivemos muito tempo para pensar a bordo, e comparar, constantemente , as coisas, os eventos do mundo e os próprios homens; Por ter visto meus amigos da Comuna, que eram honestos no trabalho, e que só sabiam lançar seu corpo à luta, lamentarem a possibilidade de tomadas erradas de decisão, cheguei à conclusão de que homens honestos no poder são incapazes, e que os desonestos são monstros; Que é impossível aliar a liberdade com o poder, e que uma revolução cujo objetivo é qualquer forma de governo seria seria apenas uma ilusão se apenas algumas instituições caíssem, porque tudo está ligado por cadeias indestrutíveis no velho mundo e tudo deve ser desarraigado pelas fundações, para que um novo mundo possa crescer feliz e estar em liberdade sob um céu livre.


O Anarquismo é hoje o fim que o progresso pretende alcançar e, quando o atingir, olhará para a frente, para a beira de um novo horizonte, que, uma vez alcançado, revelará outro, e assim por diante, porque o progresso é eterno.


Devemos lutar não só com coragem, mas com lógica; Que as massas deserdadas, que borrifam cada passo do progresso com seu sangue, podem beneficiar, por fim, a luta suprema que logo será iniciada pela razão humana juntamente com o desespero. É necessário que o verdadeiro ideal seja revelado, mais grandioso e mais belo do que todas a ficções precedentes. E se este ideal ainda estiver longe, vale a pena morrer por isso.


É por isso que sou anarquista.

Louise Michel foi professora, poeta, enfermeira, escritora e anarquista. Foi uma das mais importantes comunnards durante a Comuna de Paris e inventora da famosa bandeira negra , símbolo dos ideias libertários do anarquismo.

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