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Veias Abertas

Atualizado: 11 de mar.

Ninguém come PIB, come alimentos

Por Cássia Almeida


A economista Maria da Conceição Tavares diz que, na ditadura, perseguir crescimento à custa do trabalhador foi criminoso. E destaca que, hoje, mesmo com PIB baixo, o desemprego e a renda não pioraram, ‘o que é essencial’


Foto: Aline Massuca/Valor


Quais foram os erros da política econômica do regime militar?

O erro foi um modelo que persegue o crescimento a qualquer custo, à custa da classe trabalhadora, do bem-estar social, coisa criminosa. Foi uma maravilha crescer, mas cresceu aleijado, não é ideia muito boa. É melhor não crescer muito e não aleijar. Não fazer da maneira desvairada, agressiva como fizeram. Com crédito ao consumo, ao consumo de luxo das classe altas, houve perda salarial fortíssima.


O que ficou de herança da política daquela época?

Sobrou uma industrialização mais branda. As décadas de 80 e 90 foram muito ruins. Em 90, com neoliberalismo, vivemos um período de desindustrialização. Só voltamos a crescer com Lula, mas não no mesmo patamar, mas com um programa de distribuição de renda, com salário mínimo subindo acima da média, previdência, Bolsa Família, uma porção de políticas sociais para combater a pobreza, para melhorar a distribuição. E melhorou. O Coeficiente de Gini (indicador de concentração de renda) voltou aos níveis dos anos 60. Nesse sentido não é um modelo só desenvolvimentista, é um modelo social. Uma tentativa de fazer tardiamente um modelo de estado de bem-estar social.


A concentração de renda aumentou durante o regime…

O grosso do aumento da concentração foi no regime militar. Mas é claro que a crise da dívida externa nos anos 80 e o baixíssimo crescimento e o neoliberalismo dos anos 90 não ajudaram nada. Continuou concentrando. O regime concentrava com crescimento, o emprego crescia. Nas décadas de 80 e 90, não. Teve aumento do desemprego, coisa que agora também não tem. Além de política de salário, tem uma política de emprego.


Há críticas que a política industrial atual seria semelhante à do regime?

Não se assemelha em nada. Era um período de industrialização pesada, forte. Não estamos num período de industrialização pesada. Estamos investindo em infraestrutura basicamente.


E a escolha de campeões nacionais? Está dando certo?

Não acho uma maravilha de ideia. Muito praticada na Coreia, no Sudeste da Ásia. Não tenho certeza se está dando certo. Uma coisa é falar, outra coisa é provar. Se ocorreu, não tenho dado nenhum para afirmar. A oposição tem que pesquisar e botar os números. Fica tudo no gogó. De qualquer maneira, é uma concentração de capital, sem dúvida.


Com a crise de 2008, o neoliberalismo sofreu um golpe, não?

O que aplicaram foi um modelo ultraliberal. Não acho que o neoliberalismo esteja morto. Estou sempre na defensiva nesse particular. Os porta-vozes estão aí, cada vez falam mais alto.


O Brasil cresce pouco…

A crise (global de 2008) bateu aqui em 2009. Em 2010 o crescimento já tinha retomado, mais instável e mais brando. O crescimento não está essa Brastemp, mas não piorou o emprego, nem a distribuição de renda, o que para mim é o essencial. Ninguém come PIB, come alimentos.


Há analistas que chegaram a defender mais desemprego para combater a inflação…

Imagina, é um absurdo! O governo está combatendo a inflação da melhor forma que pode. Aumentar o desemprego para combater a inflação… Vou te contar, é pior que o Fundo Monetário. Não leio mais economia para não me aborrecer. É um festival de besteira. Não acho que inflação passe da meta. Não vejo pressão inflacionária, a não ser que tenha uma grande desvalorização. Mas não creio. O difícil é saber o que vai acontecer com a economia mundial, que sempre dá reflexo aqui. Não dá para ser ultraotimista, nem ultrapessimista. Estou moderadamente otimista.


*Entrevista publicada pelo Grupo O Globo em 24 de março de 2014.


Maria da Conceição de Almeida Tavares é economista, matemática e escritora luso-brasileira. Trabalhou na elaboração do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek e atualmente é professora titular da Universidade Estadual de Campinas e professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Militante aguerrida da esquerda, foi deputada federal pelo Estado do Rio de Janeiro entre 1995 e 1999; é autora de diversos livros sobre desenvolvimento econômico. Vai completar 94 anos em abril.



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