Veias abertas
- URRO
- 29 de mai. de 2020
- 7 min de leitura
Atualizado: 21 de jun. de 2022
Fragmentos de AÇÃO DIRETA, por Voltairine de Cleyre

Do ponto de vista daquele que se julga capaz de discernir uma rota constante para o progresso humano, e segue por ela, e desenha tal rota no mapa de sua mente, certamente resolverá indicá-la aos outros; fazê-los ver as coisas como ele vê; convencê-los com argumentos claros e simples que expressem seus pensamentos -- diante disso é um sinal de pesar e de confusão de espírito o fato da frase «Ação Direta» adquirir de repente na mente das pessoas em geral um significado circunscrito, que não tem, e que certamente nunca teve, nem mesmo no pensamento de seus adeptos. Porém, essa é mais uma ironia que o Progresso lança naqueles que se julgam capazes de fixar metas e lutar por alcançá-las.
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Certamente este é o caso da presente concepção errônea do termo Ação Direta que pelo equívoco, ou mesmo pelo deliberado embuste perpetrado por certos jornalistas de Los Angeles, por ocasião da condenação de McNamara, cismaram em colocar na cabeça das pessoas que Ação Direta significa, “atacar violentamente a vida e a propriedade”. Esta atitude ignorante ou desonesta por parte desses profissionais provocou em muita gente a curiosidade de saber o que realmente significava Ação Direta. De fato, aqueles que assim tão vigorosa e desordenadamente a condenam, se olharem para eles mesmos descobrirão que eles próprios em muitas ocasiões praticaram a ação direta, e farão isso novamente.
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Qualquer um que sempre pensou por si próprio, que usou seu direito de livre expressão, e corajosamente reafirmou isto juntamente com outros que compartilham de suas convicções, foi um praticante da ação direta. Toda pessoa que planejou fazer qualquer coisa, e foi e fez, ou pôs seu plano em execução antes de outros, e ganhou a cooperação e colaboração de outras pessoas, sem apelar para autoridades, pedir licença ou agradá-los, foi um praticante da ação direta.
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Greves e boicotes são exemplos de tal ação. Estas ações geralmente não são levadas a efeito simplesmente por causa de argumentos de um ou de outro, ou em função de leis, mas é a resposta espontânea daqueles que estão oprimidos por uma situação. Em outras palavras, todas as pessoas acreditam, quase sempre, no princípio da ação direta e a praticam.
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Agora, não cometa o engano de confundir ação direta com conformismo. A Ação direta pode ser extremamente violenta, ou tão calma quanto as suaves águas dos rios de planície. O que quero dizer é que o real conformismo ocorre sempre pela ação política, nunca pela ação direta. Do ponto de vista da ação toda política é coerção; até mesmo quando o Estado faz coisas boas o faz através do exercício do poder, e isto se aplica também a um clube, uma arma, ou uma prisão.
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Nos períodos de agitação e excitação que precedem às revoluções, há todo tipo de ação direta, da mais pacífica à mais violenta. É devido e por causa da ação direta dos precursores da mudança social, sejam eles de natureza pacífica ou bélica, que a Consciência Humana, a consciência da massa, desperta para a necessidade de mudança. Seria muito estúpido dizer que não se pode esperar nenhum resultado positivo da ação política; às vezes coisas boas ocorrem por esse modo. Mas nunca até que a rebelião individual, seguida pela rebelião da massa, force isto. A ação direta sempre é o clarim, o ponto de partida, pelo qual a grande soma de indiferentes se dá conta de que a opressão chegou a um nível intolerável.
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Sem dúvida houve e há em todas estas organizações, membros que olharam além das demandas imediatas; que olharam as coisas do ponto de vista do desenvolvimento contínuo das forças agora em operação para provocar rapidamente as condições diante das quais é impossível que a vida continue a mesma, e contra a qual protestem, e protestem violentamente; não há outra alternativa senão essa; ou isso ou a morte inevitável; mas não há nada na natureza da vida que se renda sem luta, assim, não há porque morrer sem lutar.
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Agora todo mundo sabe que uma greve de qualquer tamanho significa violência. Não importa a preferência ética pela paz que alguém possa ter, ele sabe que não estará calmo. Se for uma greve de telégrafos, significa arames cortados e postes derrubados, e infiltrar falsos fura-greves para destruir os instrumentos. Se for uma greve de metalúrgicos, significa dar porrada em fura-greves, quebrar janelas, descalibrar bitolas e arruinar peças caras, juntamente com toneladas e toneladas de material. Se for uma greve de mineiros, significa destruir trilhos e pontes, e explodir fábricas. Se for uma greve de trabalhadores de uma tecelagem ou artigos de vestuário, significa a ocorrência de incêndios “acidentais”, pedradas em janelas aparentemente inacessíveis, ou possivelmente uma tijolada na cabeça do dono da fábrica. Se for uma greve de montadora de automóveis, significa remover esteiras ou obstruí-las com resíduos sólidos ou líquidos, com peças pesadas ou robôs, significa carros esmagados ou incinerados e interruptores sabotados. Se for uma greve de um sistema federado, significa máquinas “mortas”, máquinas desreguladas, fretes descarrilados, e trens bloqueados. Se é uma greve na área da construção civil, significa dinamitar estruturas. E sempre, em toda parte, em todo o tempo, lutas de seguranças e fura-greves contra grevistas e simpatizantes de grevistas, entre Gente e Polícia. No lado dos patrões, significa holofotes, cercas elétricas, vigilantes, cárcere privado, detetives e agentes provocadores, sequestro violento e deportação, e todo dispositivo que eles podem conceber para a proteção direta, além de ultimatos da polícia, milícias, polícia distrital, estatal, e tropas federais.
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Todo o mundo conhece estas coisas; todo mundo sorri quando os funcionários do sindicato apelam aos trabalhadores para que sejam pacíficos e obedientes à lei, porque todo o mundo sabe que estão mentindo. Eles sabem que a violência será usada, secreta e abertamente; e eles sabem que será usada porque os grevistas não podem agir de outro modo, sem imediatamente serem derrotados. Nem por isso eles podem ser acusados de perder a razão por usarem esses recursos violentos. As pessoas entendem em geral que eles fazem estas coisas pela lógica cruel de uma situação que eles não criaram, mas que os força a estes ataques pelo sucesso de sua luta pela vida ou para evitar descer ao poço sem fundo da pobreza, para evitar que a Morte os encontre nos ambulatórios dos asilos, na sarjeta, ou na lama. Esta é a alternativa terrível que os trabalhadores estão enfrentando; e é isto que faz com que pessoas integralmente propensas à cordialidade -- homens que desviam do caminho para ajudar um cão ferido, ou trazem um gatinho perdido para casa e o alimentam, ou pisam com cuidado para evitar esmagar um pintinho -- recorrem à violência contra membros de sua própria raça. Eles sabem, porque os fatos lhes ensinaram, que este é o único caminho para a vitória, se eles querem mesmo vencer. A coisa mais absurda e totalmente irrelevante que alguém pode dizer ou fazer quando se aproxima na intenção de apoiar ou ajudar um grevista que está lidando com uma situação imediata, é propor “nas eleições a gente dá o troco!” quando a próxima eleição está a uma distância de seis meses, um ano, ou dois anos.
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Os ativistas políticos nos dizem que as cadeias econômicas só serão quebradas pela ação dos partidos de trabalhadores no poder mediante eleições; o voto colocará os meios de produção e de vida nas mãos do proletariado; que também assumirá o comando das florestas, das minas, das fazendas, das bacias hidrográficas, das fábricas, dos silos; da mesma forma, terá sob seu controle o poder militar para defender seus interesses, todo esse domínio será e estará a serviço do povo. Bem, eu já declarei que, ocasionalmente, algumas coisas boas podem resultar da ação política -- e não necessariamente da ação de partidos proletários. Mas estou plenamente convencida de que cada benefício alcançado é mais do que anulado pelo malefício que traz a tiracolo; também estou plenamente convencida de que, ocasionalmente, cada malefício resultante da ação direta é mais do que anulado pelo benefício que traz a tiracolo.
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Quase todas as leis que foram moldadas originalmente com a intenção de beneficiar os trabalhadores viraram armas nas mãos dos seus inimigos, ou se tornaram letra morta, a menos que os trabalhadores, pelas suas organizações, obriguem diretamente sua observância. De forma que no final das contas, e de todas as maneiras, é na ação direta que devemos depositar nossa confiança.
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Eles têm que aprender que o curso do crescimento não está tanto em salários mais altos, mas em jornadas mais curtas de trabalho que os permitirão a aumentar a quantidade de membros, a chamar qualquer pessoa disposta a entrar no sindicato. Eles têm que aprender que se eles querem mesmo ganhar batalhas, todos os trabalhadores aliados têm que agir em conjunto, e agir depressa (sem avisar aos patrões), e resguardar sua liberdade de entrar em greve quantas vezes for necessário. E finalmente eles têm que aprender (quando houver uma organização completa) que jamais ganharão nada permanente a menos que lutem, não por conquistas parciais, mas por conquistas totais -- não por um salário, não por benefícios secundários, mas pela conquista de todas as riquezas naturais do planeta. E procedam à expropriação direta de tudo! Eles têm que aprender que seu poder não está na força do seu voto, mas na sua habilidade de parar a produção.
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O máximo que um partido de trabalhadores pode conseguir, supondo que seus políticos permaneçam honestos, seria formar uma forte facção no parlamento -- somando votos de vários lados -- para obter certos paliativos políticos ou econômicos. Mas aquilo que a classe trabalhadora pode fazer, na medida em que toma a forma de uma sólida organização, é mostrar à classe proprietária, por uma parada súbita de todo trabalho, que toda estrutura social está sobre seus ombros; e que as propriedades e riquezas da classe empresarial são absolutamente inúteis para eles sem a atividade dos trabalhadores; tal protesto, tal golpe, direto no coração do sistema da propriedade, ocorrerá periodicamente, continuamente, até que a coisa inteira seja abolida -- e tendo mostrado sua eficácia, procederá a expropriação. “E quanto ao poder militar?”, diz o ativista político; “temos que conquistar poder político, ou o exército será usado contra nós!” Contra uma real Greve Geral, o exército não pode fazer nada.
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Enquanto isso, até este despertar internacional, a guerra entre as classes continuará seguindo seu curso, apesar de toda essa manifesta histeria de pessoas bem-intencionadas mas que não compreendem a vida e suas necessidades; apesar do patente temor dos líderes acovardados; apesar de toda vingança reacionária que pode ser perpetrada; apesar de todo capital que os políticos recebem da situação. A luta de classes continuará seu curso porque a Vida anseia por viver, mesmo com a Propriedade negando sua liberdade para viver; a Vida não se submeterá. Nem deve se submeter. Seguirá seu curso até aquele dia quando uma Humanidade que se auto libertou puder cantar o Hino ao Homem de Swinburne: “Glória ao Homem nas alturas, ao Homem,senhor das coisas”.
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