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Tom sobre o tom

Atualizado: 14 de mar.

50 anos de Secos & Molhados 2

Por Mauricio Simionato

 

“...Diga que eu não sei de nada

Nem posso saber

Diga que eu não sei de nada nada nada

Nada nada

Diga que eu não sei de nada

Nem posso saber”.


Com essa letra enigmática e que desafiava a ditadura, a música ‘Toada & Rock & Mambo & Tango & Etc’ encerra a última faixa do último disco do Secos & Molhados em sua clássica formação original, com o trio João Ricardo, Gérson Conrad e Ney Matogrosso.


O brilhante disco, conhecido como Secos & Molhados 2, foi lançado em 1974 e, em 2024, comemora 50 anos de gravação.


O ano de 1974 também marcou o fim da banda.


O álbum 2 tinha difícil missão de superar o megassucesso do primeiro disco (aquele da capa com as cabeças na bandeja em cima da mesa), que vendeu 1 milhão de cópias na época, coisa dificílima para uma banda nacional no início dos anos 1970, dadas as condições precárias de gravação, divulgação e turnês.


Mas o foco aqui é o segundo disco, já que o primeiro LP completou 50 anos em 2023.

 

Para o vocalista principal da banda, Ney Matogrosso, o disco 2 foi “mais elaborado e menos popular que o primeiro”. A relação entre o trio chegou ao segundo disco já bastante estremecida após grande pressão da gravadora por um novo sucesso e algumas desavenças internas.

 

Há várias versões conflitantes sobre o que levou ao fim do grupo. Mas o fato é que eles enfrentaram e quebraram os paradigmas da música brasileira e do negócio da indústria de entretenimento nacional.

 

Gerson Conrad declarou em uma entrevista que a banda estava com uma turnê internacional programada após o disco 2, com shows na Europa, Oceania e Ásia, com encerramento no Japão. Mas o fim veio antes do reconhecimento mundial.


 

Disco 2

 

Embora mais elaborado, o álbum 2 segue a mesma linha do antecessor, mesclando diversos gêneros musicais como o blues e o rock, em suas vertentes Progressivo, Glam e Psicodélico, além de elementos da música popular brasileira.

 

O disco é extremante poético e traz versões musicadas para poemas de Julio Cortázar, João Apolinário, Oswald de Andrade e Fernando Pessoa. Todos musicados pelo talentoso João Ricardo, uma espécie de líder da banda.

 

O disco é aberto com a música Tercer Mundo (João Ricardo/Julio Cortazar), com uma levada quase “flamenco’ para um texto de Cortazar. A letra é um fragmento do livro ‘Prosa del Observatório’ (1972), que mesclava elementos estético-ideológicos de ideias que previam uma união latino-americana, ibérica, terceiro mundista e ligada à contracultura em voga na época.

 

Tercer o Mundo

 

Ahí no lejos

Las anguilas laten

Su imenso pulso

Su planetário giro

Todo espera el ingreso

En una danza

Que ninguna izadora danzó

 

Nunca de este lado del mundo

Tercer mundo global

 

Del hombre sin orillas

Chapoteador de história

Vispera de sí mismo

 

Nunca de este lado del mundo

Tercer mundo global

 

Ahí no lejos

Las anguilas laten

Su imenso pulso

Su planetário giro

Todo espera el ingreso

En una danza

Que ninguna izadora danzó

 

Nunca de este lado del mundo

Tercer mundo global

 

O disco segue adiante com temáticas poeticamente sociais como “O Doce e o Amargo” e “Preto Velho”. O principal compositor do grupo, João Ricardo, conseguia abordar temas profundos, como em “Não: Não digas nada”, em “Toada & Rock & Mambo & Tango & etc” e no hit do disco “Flores Astrais”.

 

O disco foi lançado no Programa Fantástico, da TV Globo, em agosto de 1974. Dois messes depois, Gerson Conrad e Ney Matogrosso deixaram a formação original. Porém, antes do fim, a banda lotou o Maracanãzinho em 1974, com 20 mil pessoas dentro do ginásio e outras 20 mil que ficaram do lado de fora sem conseguirem ingresso. Essa foi a primeira vez que um show de um único grupo brasileiro havia atraído essa quantidade de pessoas até então.

 

Além dos três integrantes principais, o álbum conta com a participação de músicos convidados: Norival D'Angelo (bateria, timbales e percussão); Sérgio Rosadas (flauta transversal e flauta de bambu); John Flavin (guitarra elétrica e violão de 12 cordas); Willi Verdaguer (contrabaixo elétrico); Triana Romero (castanholas) e Jorge Olmar do Nascimento (violões e viola).

 

O disco segue brilhante do começo ao fim. O Lado B começa com “Angústia”, que tem um baixo alucinante, coros deliciosos, pianos frenéticos e guitarras distorcidas.

 

“Agonizo se tento / Retomar a origem das coisas / Sinto-me dentro delas e fujo / Salto para o meio da vida / Como uma navalha no ar / Que se espeta no chão / (...).

 

No mesmo lado tem a música Hierofante, um poema de Oswald de Andrade transformado num bom e velho glam rock, que diz: “Não há possibilidade de viver com essa gente. Nem com nenhuma gente, nem com nenhuma gente...".

 

E tem o blues rasgado ‘Delírio’, de autoria de Gerson Conrad e Paulinho Mendonça, que traz uma letra matadora:

 

Não vou buscar / A esperança / Na linha do horizonte / Nem saciar / A sede do futuro / Da fonte do passado / Nada espero / E tudo quero / Sou quem toca / Sou quem dança / Quem na orquestra / Desafina / Quem delira / Sem ter febre / Só o par / E o parceiro / Das verdades / À desconfiança.

 

Após a saída de Ney e Conrad em 1974, a banda ainda seguiu com o mesmo nome e liderada apenas por João Ricardo, além de músicos convidados, mas sem o mesmo brilho da formação original (apesar dos bons discos lançados como o Secos e Molhados 3, de 1979).          

 

O disco 2, arrisco dizer, está entre os melhores álbuns da história da música brasileira, ao lado do disco 1. Confira!

 


Secos & Molhados 2

Lado A

1. Tercer Mundo

2.  Flores Astrais

3.  Não: Não Digas Nada

4.  Medo Mulato

5.  Oh! Mulher Infie

6.  Vôo

Lado B

1.  Angústia

2.  O Hierofante

3.  Caixinha De Música Do João (Instrumental)

4.  O Doce E O Amargo

5.  Preto Velho

6.  Delírio..

7.  Toada & Rock & Mambo & Tango & Etc



Maurício Simionato é jornalista e poeta.


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