Caetano: O maior de todos os tempos
Por João Nunes
Villa-Lobos, Tom Jobim e João Gilberto estão em panteão; portanto, “fora de concurso”. E, no meu afeto, guardo em espaço sagrado para: Gilberto Gil, Maria Bethânia, Milton Nascimento, Elis Regina, Chico Buarque, Paulinho da Viola, Elza Soares e Marina Lima.
(Arte de Thiago Rocha para a imagem de Caetano Veloso cantando "Alegria, Alegria", em 1967
Mas Caetano Veloso é o maior artista brasileiro (ligado à música) de todos os tempos. Trata-se de afirmação pessoal, claro (há outras), roubada do meu irmão, Tote Nunes, dita em momento de arroubo.
Poderia escrever um livro sobre, mas me sinto incompetente. Por isto, replico trecho do meu romance (inédito) “O Lugar que Habitaremos”, modestíssima homenagem aos 80 anos de Caetano. O ano (político) é 1989.
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“Vou embora porque, neste momento, sinto-me impotente, mas não vou desistir. Só quero dizer mais duas ou três palavras”. Lourenço tira bloquinho da bolsa e complementa. “Peço licença para ler o texto que escrevi sobre o Brasil e sobre Caetano Veloso. Sou menos pior escrevendo do que falando”.
‘Se tivesse o poder de mudar algo no Brasil, extinguiria do nosso imaginário o princípio de que somos país do futuro, de que somos cordiais, de que Deus é brasileiro e da crença de que em algum lugar, parece o Brasil, existe um homem feliz. Se conseguíssemos tal façanha, teríamos feito revolução.
Aproveitaria para reparar erro histórico grosseiro, que soa fútil, mas está carregado de significados: Alegria, Alegria venceria o Festival de Música Brasileira da Record, de 1967. O primeiro lugar, Ponteio, é bonita, mas Edu Lobo e Capinan recorrem ao passado na crença de que o arcaico encontrado na música nordestina representa o país inteiro.
Gilberto Gil busca o moderno na companhia dos Mutantes e inova na melodia do segundo lugar, Domingo no Parque, mas a letra, mesmo bem articulada, remete ao romantismo dos anos 1940/50, história de amor impossível que se consuma no parque de sorvetes e rodas-gigantes – imagem nostálgica colada ao passado.
A melodia comum e repetitiva de Roda-Vida, o terceiro lugar, referenda o texto de Chico Buarque demarcado pela época e, portanto, envelhecido.
Já a música de Caetano Veloso é ingênua como gênero (marchinha) e parece simples como melodia, mas é sofisticadíssima. E o compositor propõe mudança radical na forma de fazer música, dialogando com o rock (e fora do país, porque a banda é argentina; portanto, arejado, ecumênico), por meio de singelo exercício.
Não pergunte o que ele quis dizer com Coca Cola e Cardinales bonitas; procure você mesmo um discurso revigorado, desapegue-se do passado, rompa barreiras, escute o novo, abra-se para o moderno, não para ser moderno, mas porque está aqui, e agora, e a vida é o presente (o passado passou e o futuro não existe) e abra a mente para entender as demandas de um mundo em transformações profundas – quem não entendesse, perderia a história.
E nós perdemos a história porque tivemos medo, preferimos o decrépito, não porque o respeitamos, mas por ser mais confortável. A música de Caetano está cem anos à frente das outras, mas ficou em quarto. Simbólico. Sintomático. Profético. Nós não entendemos nada e até hoje estamos correndo atrás do futuro que, talvez, nunca alcancemos'.
João Nunes é jornalista, escritor e crítico de cinema
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