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Atualizado: 23 de jun. de 2022

O magistral LP de um dos artistas mais censurados da história da música brasileira permanece atual

Por Maurício Simionato




“IMYRA TAYRA IPY”. Esta aí um disco atemporal e que capta um aspecto primoroso da alma da música brasileira. Um LP marcado por conceitos emblemáticos das raízes da cultura nacional. Uma obra atual por tratar de liberdade e por chamar a atenção para as causas indígenas. O álbum foi censurado do começou ao fim. Um disco inteiramente censurado pelo Regime Militar. Aliás, o cantor, músico e compositor Taiguara foi um dos artistas mais censurados na história das artes no Brasil. Logo ele, que ironicamente levava no nome o ideal de liberdade. Taiguara quer dizer “livre”, em Tupi Guarani.

O disco foi lançado em 1976 pela gravadora EMI-Odeon quando Taiguara retornou do exílio em Londres, onde havia morado por um ano e meio. Na Inglaterra, ele gravou o LP Let The Children Hear The Music, censurado mesmo no exterior e nunca lançado. Mas Imyra Tayra Ipy só havia passado pela censura porque trazia como autora o nome de Gheisa Gomes Paiva, sua primeira esposa. Algumas músicas eram assinadas por um tal de Chalar da Silva, pseudônimo de Taiguara. Quando o regime militar descobriu que se tratava de uma obra de um dos “inimigos” da ditadura, Imyra foi retirado das lojas imediatamente e as cópias foram destruídas. Sim. É isso o que acontece nos Regimes Ditatoriais.

O disco já havia vendido 5.000 cópias e tornou-se um clássico, mesmo com a absurda proibição. O show de estreia também foi impedido. Seria realizado simbolicamente nas Ruínas das Missões Jesuítas, no Rio Grande do Sul. Taiguara partiria então, mais uma vez, para mais um exílio. Desta vez, até o início da reabertura democrática, já em meados da década de 1980.

O LP é o 11º álbum de estúdio do compositor e reúne a base de músicos do emblemático Clube da Esquina: Toninho Horta (guitarra), Noveli (baixo) e Wagner Tiso (piano, teclados e arranjos). Tem ali o “bruxo”, Hermeto Paschoal, tocando de tudo e fazendo a produção. Tem ali Jaques Morelembaum (violoncelo), Nivaldo Ornelas (sax e flauta), Paulinho Braga (bateria), Zé Eduardo Nazário (bateria e percussão), Lucia Morelembaum (harpa) e Ubirajara Silva (bandoneon). Ou seja, um timaço de músicos, assim como Taiguara, pianista de formação.

Apesar de Taiguara resgatar suas raízes indígenas no LP, a obra é repleta de mellotrons, ruídos de rádio, loops de tapes, órgão, harpa, pianos, colagens de peças instrumentais e mini-moog. Mas tem também apitos, flautas e farta percussão indígena por todos os cantos (para a diversão de Hermeto). Uma coisa magistral distribuída em 14 faixas.

O significado das palavras, em Tupi Guarani, diz muito sobre a obra: IMYRA (árvore, madeira); TAYRA (filho) e IPY (princípio, origem)

Posteriormente, os direitos autorais de Imyra, Tayra, Ipy foram comprados por produtores japoneses (sempre eles) que lançaram o disco em 1980, no Japão. Apenas em 2013, o disco foi oficialmente lançado no Brasil pela gravadora Kuarup.

Hoje, o LP lançado em 1976 chega a custar R$ 650 em sites de vendas pela internet. No exterior, um site estava cobrando US$ 400, ou quase R$ 2 mil, numa rápida pesquisa realizada no mês de junho de 2020. Tenho um exemplar do LP há alguns anos. Quando o comprei, o encarte já trazia uma assinatura torta, quase enigmática, que parece ser do mestre Hermeto Paschoal. Não sei. Prefiro acreditar que aquela é mesmo a assinatura do bruxo da música brasileira.

O LP fica lá na discoteca entre outros LPs de Taiguara que coleciono e que também são clássicos: Hoje (1969), Viagem (1970); Carne e Osso (1971) e Fotografias (1973). Volta e meia, ele salta para a vitrola e muda o dia.

Nascido em Montevidéu, no Uruguai, em 1945, filho do maestro e bandoneonista Ubirajara Silva e da cantora Olga Chalar, Taiguara faleceu com apenas 50 anos, em fevereiro de 1996, deixando dezenas de músicas escritas, porém não gravadas. Ele teve alguns sucessos radiofônicos, mas continua sendo desconhecido, infelizmente, pelas novas gerações. As mesmas novas gerações que, em parte, hoje, passados quase 44 anos, seguem lutando por liberdade e pelos direitos dos povos indígenas.

Taiguara não acreditaria no que estamos vendo em pleno século 21.


A letra da segunda faixa já “dava a letra” do que viria ao longo do disco. Sempre lembro do fatídico 7 a 1 quando a escuto.

Público

Eles querem lotar o Maracanã

E precisam de mim, lá vou eu

Eles querem lotar o Maracanã

E precisam de mim, lá vou eu

Eles querem que eu sue ao sol da manhã

Eles querem da ovelha a mais pura lã

Para a futura clã da bola campeã

Que hoje é alemã

Quem sabe amanhã

Eles queiram lotar o Maracanã

E precisem de mim, lá vou eu

E eles querem lotar o Maracanã

E precisam de mim, lá vou eu

O meu nome era povo, hoje é multidão

Meu problema era o campo, hoje é nutrição

A viola era o sonho, hoje é ilusão

Tem mais nada não

Tem mais nada não

Eles querem lotar o Maracanã

E precisam de mim, lá vou eu

Eles querem lotar o Maracanã



Maurício Simionato é jornalista.

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