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Poeshydra

  • Foto do escritor: URRO
    URRO
  • 21 de dez. de 2020
  • 2 min de leitura

Atualizado: 21 de jun. de 2022

Quatro poemas de Cecília Gomes



Convenção de espantalhos


Eram 300 reunidos

Gravemente feridos

Ofendidos

Maltrapilhos

Reivindicavam novo lugar no mundo

Porque não havia mais espanto

Um deles, aos prantos, afirmou que corvos e urubus ignoravam sua existência

Estava inteiro defecado

Situação deplorável

Havia abatido sobre aquela terra uma névoa de horror e ódio

Os espantalhos, preocupados, marcaram convenção

Havia entre eles um camisa 10 verde amarela de olhar soturno avermelhado

Prestava pouca atenção às queixas

Quando estavam todos bem próximos para a deliberação final

Camisa 10 deixou cair na roda um galão de gasolina

A abotoadura brilhante fez fazer faísca naquele tanto de feno encharcado

Em poucos minutos tudo era labaredas

E assim viraram fumaça os 300 espantalhos, incluindo o infiltrado de olhar soturno

Já não havia mais espanto, nem pranto.

A terra havia secado

Não havia cultura a zelar

Corvos e abutres reinaram na terra

Comendo as gentes espalhadas a céu aberto



 


LAMENTO


Lamentos. Rótulos. Transgênicos. Venenos. Plastificados pensamentos. Enlatadas opiniões. Memeficado conhecimento. Mitomania embutida. Conservantes conservadores. Acidulantes adulam, mitificam. Pedra, pau, terra, fogo, cinza e sementes prescritas, livres de patente. É o que se salva. Primitivos?



 


O som do silêncio



Caixinha de fósforos

guarda uma explosão

de pensamentos

Caixinha de silêncios

guarda uma explosão

de sentimentos

Caixinhas abertas

trocam pensamentos e silêncios

Apenas um risco:

Um incêndio

Pelos poros

labaredas

silenciosas

chamas

chamam

aqueles

que

as palavras esqueceram soltas no vento

Espalha-se o incêndio.



 


VÃO


As ideias vão e voltam

Reviram pelo corpo

Tombando-o vez ou outra

A luz, metáfora metade de fora desta história

Chega com efeito de boate

Irradia para todos os cantos

Inclusive aqueles que se preservam sombrios

Não há nada o que eu possa fazer

Para evitar

A claridade chega também com a idade

As rugas rasgam a pele e os pelos

Partem o sorriso

As idéias revoltam

Revivem o corpo moço

Tombando para sempre

A luz, metáfora dentro do peito

Esconde o lampejo

Escurece inteira

Faz fumaça quando vela

Não há nada o que eu possa fazer

Para deixar

A claridade voltar

Trazendo o sorriso

A coceira no nariz

Um espirro me diz:

As ideias, de fato, vão e voltam...


tudo pelo mesmo vão de memória



Cecília Gomes é atriz, dançarina, performer, poetisa e jornalista.

Ilustração de César de Mendonça Gomes.

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