top of page
Foto do escritorURRO

Poeshydra

Atualizado: 13 de ago.

A poeira da casa dança

Por Marina Grandolpho


Antes de começar esta costura

procurei expulsar a poeira por cima de cada objeto

: máquina agulha linha tesoura dedal

em vão

a poeira dança sobre os objetos

esquecidos ou não

esconde os lampejos de memórias

nas frestas onde ninguém alcança

a primeira vez de cada experiência

o nascimento de algo

a última discussão

o estalo dos dedos inquietos

os passos ouvidos no andar de baixo

o estrondo da porta batendo a cada desentendimento

 [ou vento forte

você esqueceu de calçar o peso na porta?

em meio às ruínas ainda restam:

o pó incansável e um vestígio de vida

 

***


Habitação primária


Por exatas 40 semanas

não houve solo algum circunscrito

sob os meus

minúsculos pés

banhados por líquido amniótico

eu não me lembro como era

viver naquele país

sem fronteiras,

mas minha mãe sim

— como se fosse ontem


***


Pedrada


Amar uma pedra

escapando ao percurso

atirada do quintal vizinho

para acertar a janela

 atingiu minha têmpora

agora trêmula de dor

preferi não amá-la

— nem dentro

nem fora

da trajetória



Texto de orelha


É usando Adília Lopes e Alejandra Pizarnik como epígrafe que Marina Grandolpho inicia “A poeira da casa ainda dança”. O título deste livro nos traz uma imagem poderosa: a poeira que ainda evolui coreograficamente no espaço da casa.

Ao longo do livro, sujeiras e rituais de limpeza se alternam, em um trajeto que nos convida a percorrer também certa linha do tempo, refúgios, ruínas, lembranças vagas que antecedem “o esquecimento completo/: basta um sopro”.


Mas espanar a poeira, soprá-la, não é limpar, é espalhar, é propor um novo movimento, é convidá-la para o salão, dois para cá, dois para lá. Aqui a poeira ainda dança, mesmo que não recorde exatamente como devem ser os passos. Portanto, mais do que limpar a poeira das lembranças, a proposta é evoluir pelo espaço com ela, pois trata-se da poeira que, como a memória (e como o poema), “(...) sempre fica”.

Lilian Sais, escritora.


 

Marina Grandolpho é formada em Letras pela UFSCar e doutora em Estudos Literários pela Unesp. É professora e escritora. Possui publicações em revistas e portais literários, além de textos como destaques e finalistas em coletâneas. No início de 2023, publicou “Maquinário feminino e outras conversas” (Patuá), seu livro de estreia. Agora, é a vez do seu segundo livro de poemas: “A poeira da casa ainda dança”.

22 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Phoesydra

Poeshydra

Poeshydra

Comments


bottom of page