Poesia desmedida e sob medida por duas manas escritas
Por Lívia Mota e Natália Moreti
Geneticamente ligadas, naturalmente conectadas. Temos a mesma linhagem, traços similares. Há quem confunda numa rápida passada de olho. Gêmeas? Não. Almas gêmeas, sim. Entre tantas “parecidices”, uma tem um poder mais forte de nos unir: a escrita. Da escrita marcada na pele, como tatuagem, nasceu nossa terceira versão. O Manas Escritas foi concebido numa sala de estar, com cerveja e as duas jogadas no sofá. Sem pretensão, mas com intenção.
Acreditamos na palavra que, como cada um de nós, tem aura e tem alma. Ordenadas e combinadas, chacoalham. Numa brincadeira, gargalham. Num golpe, incomodam. As palavras, sempre elas. As nossas são destinadas a pulsar pelo afeto. Escrevemos para afetar o outro e a nós mesmas. Colocamos no papel aquilo que canta, grita e sussurra. Dentro e fora. Na Lívia, Na Natália, na Maria, no Felipe, na Ana, no Caio. Para quem quer dizer, nós falamos por escrito.
Nossa miçanga de letras também mostra a cara. Mostra lado. Contra o que for contra a liberdade de ser e existir. Contra rompantes de assédio, de ódio, de ausências de sentido e de humanidade. Nosso golpe é contra tudo que pretende definir, cercar, cercear, alienar. Com palavras em punho, a quatro punhos, estamos sempre prontas a criar e a rimar versos no feminino, carregados de resistência e existência. Feministas, escritas e borradas pela água que cai na tinta. Nosso tear de palavras conta histórias e também faz histórias.
Poemas
Alma depravada
Abri a porta e entrei
Nada vi
Porque nada havia ali
Além de mim
Do que fui e do que era
Do queria e do que fugia
O vazio era todo eu
Numa tentativa infeliz
De assombrar
Me satisfez
Foi tudo
O mais profundo
Que eu pude entrar
E no escuro do mundo
Do meu mundo
Soube que na ausência
De qualquer espécie, matéria
Ou vértebra
Estava eu, bruta, pura.
Uma puta-vácuo com alma.
Eu, universo
Em mim vivem células, bactérias
moléculas, tecidos, músculos
pele, órgãos
Sou feita de líquido, massa
mente, alma
Sou gigante para uma formiga
Pequena para um arranha-céu
Minúscula para todo esse céu
Carrego vida, ciclos, ecossistemas
Vivo em mutação
Me sinto só
Meu mundo guarda a via láctea
Minhas dores, dúvidas, dilemas são enormes
Só até eu olhar pra cima e te ver
Ver uma parte da sua imensidão
Tudo despenca mesmo com a força da gravidade
Tudo em mim se aglutina pedindo calma
Olha só
Você aí com suas eras
Poeira, buracos, estrelas
Faz sumir minha descrença de que é isso
Só isso
Me faz ver que sou gota
Quando acho que sou a tempestade
Com você, metros são anos-luz
Seu tempo, que é nosso,
Passa tão despercebido
Mas ele é quem é o maestro
Rápido e lento
Longe e perto
Quente e frio
Vivo ou morto
Inteligente ou primitivo
Quem é que sabe o que é o quê?
A inexatidão é assustadora
Para quem tem mania da definição
Mas não me assusta tanto quanto me fascina
Olho para cima
Olho para dentro
E vejo que eu estou em você
E que você cabe em mim
Então, eu universo
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