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Atualizado: 21 de jun. de 2022

2100 - Uma odisseia na cidade

Por José Alexandre Cury Sacomano

Era mais um dia de trabalho para Stanley Hall que caminhava sob a

garoa fina de São Paulo em direção à redação do maior jornal da cidade onde

trabalha- o “Metrópole S.P.”. Hall é “repórter fotográfico” desse jornal que

resiste ao tempo e, em pleno século 22, apresenta uma tiragem diária de mais

de 300 mil exemplares impressos por dia. Claro, o “papel” é uma mistura de

plásticos tratados, resinas e papel celulose, tudo reciclado. Não é mais feito de

celulose pura e a qualidade mesmo assim é muito boa... (a prova d’agua, não

amarelava, não rasgava, nem amassava e era biodegradável).


Como todo bom repórter fotográfico, Hall caminhava com seu olhar

atento observando sempre os detalhes das ruas, das pessoas, do trânsito e da

cidade de modo geral. Já eram 09h30 da manhã, e sob aquela garoa fina Hall

chegava ao jornal. Mas os repórteres fotográficos de hoje não andam mais

pela cidade com seus coletes típicos, cheios de bolsos e suas malas pretas

com o equipamento fotográfico. Acabou a figura do fotógrafo com a máquina

na mão. Hall faz diariamente a cobertura dos fatos que acontecem na cidade,

produz fotos de vários locais da cidade, mas nunca mais segurou uma máquina fotográfica.


Os fotógrafos de hoje, trabalham sem a máquina na mão e sem a necessidade de circular pela cidade.

A partir de 2070 surge uma nova tendência mundial de cobertura

fotográfica para os poucos jornais impressos que ainda restavam. O sistema

de câmeras do New York Times foi fundado em 2074 na Copa do Mundo dos

Estados Unidos, onde o jornal fez a cobertura de todo o campeonato, dentro da

própria redação. Todos os estádios tinham câmeras que iam muito além do

campo, da torcida e das salas de entrevistas. A partir daí, vários jornais do

mundo, principalmente os das grandes cidades, começaram a utilizar um

sistema de câmeras distribuídas pela cidade, utilizando cada vez menos as

máquinas digitais, veículos para deslocamento e a figura do próprio repórter

fotográfico que, neste novo contexto, acabava de ser reinventada. Hoje, em

2100, os jornais ainda utilizam câmeras digitais tradicionais para uma cobertura

ou outra, mas a maioria das imagens chega via sistema de câmeras ou através

do jornalismo participativo. O jornal “Metrópole S.P.” possui um sistema para recepção de imagens dos cidadãos e dos leitores, que gerencia as mesmas por

assuntos, qualidade jornalística e técnica, e disponibiliza uma boa quantidade

para possível publicação. Sessões da câmara dos vereadores, jogos de

futebol, manifestações, trânsito, festas, shows, teatro... Em todos os lugares

veem-se câmeras do jornal “Metrópoles S.P.” Os fotógrafos de hoje, trabalham

sem a máquina na mão e sem a necessidade de circular pela cidade.


Hall e outros desses novos fotógrafos controlam um sistema de câmeras

fotográficas espalhadas e instaladas estrategicamente por pontos nevrálgicos

da cidade, em cima de edifícios, pontes, torres, ruas, locais públicos e privados,

de tal modo que, cada repórter chega a operar mais de 200 máquinas

fotográficas, obtendo imagens de vários locais, pessoas, acontecimentos e situações, sem sair da redação.


Tudo que um repórter fotográfico fazia nas câmeras digitais, o operador pode fazer através do sistema Big Brother.

É uma tendência que começou aqui em São Paulo, no “Metrópole S.P.” por

volta do ano de 2085 e hoje, em 2100, tem-se um conjunto de 2.000 câmeras

espalhadas pela cidade em diversos pontos, um sistema que controla todas as

câmeras, apelidado de Big Brother (referência a George Orwell), e uma

equipe de repórteres fotográficos preparados. Profissionais como o Hall,

trabalham em pequenas salas perante enormes monitores, de onde como

voyeurs observam as imagens das centenas de câmeras. Fizeram uma espécie

de curso de “vídeofoto” para poderem operar o tal sistema, que permitia ao

“repórter fotográfico” ou operador efetuar inúmeros enquadramentos,

aproximações precisas com zoom de mais de 50 vezes, controle de exposição,

fotometragem, etc. Tudo que um repórter fotográfico fazia nas câmeras digitais,

o operador pode fazer através do sistema Big Brother. Estão sempre atentos

olhando várias telas em busca de informações através das imagens. Quando

algo diferente acontece na cidade e aquilo tenha interesse público, Hall

enquadra a cena e aperta o disparador no computador.


Passava das 11 horas, a reunião de pauta já havia terminado e ele já tinha

mais ou menos, o roteiro de suas atividades para aquele dia. Na verdade Hall

tinha três ou quatro pautas fotográficas para cumprir, dependendo se uma delas iria ou não, para a equipe de PhotoDronne.


O “Metrópole S.P.” também tem o departamento de “PhotoDronne” que é

vinculado a editoria de fotografia. São cinco Dronnes de última geração que

fotografam e filmam, além da equipe de fotógrafos operadores formados.

Desde implosões de prédios, jogos de futebol, campeonatos de surf, incêndios,

etc. O Dronne é um ótimo aliado para o fotojornalismo, principalmente em ações de risco.


A primeira pauta falava sobre as dificuldades do pedestre após a Prefeitura

liberar a instalação de mil “barracas” de venda de alimentos e outras

mercadorias, no centro de São Paulo especificamente na Republica e no

Anhangabaú. A pauta tinha uma angulação no sentido de mostrar o quanto

ficou difícil para os pedestres, uma vez que tiveram seu espaço bastante

reduzido. Hall fez uma breve análise da situação de alguns lugares, olhou

inicialmente para umas 30 câmeras e rapidamente percebeu alguns pontos que

deflagravam as barracas prejudicando os pedestres. No entanto, eram

11h50min, e por volta das 17h o local estaria mais cheio. Não era o momento

de fazer aquelas fotos. Continuou olhando para mais algumas câmeras e

explorando toda região da Praça da Republica e do Vale do Anhangabaú.

Após alguns minutos Hall localizou uma situação onde pedestres saiam da

calçada, andavam alguns metros na rua e voltavam para calçada, para desviar

das barracas. Ele fez um enquadramento bem fechado, justamente no ponto

mais estrangulado da calçada, e deixou a câmera gravando em alta definição.

O sistema gravaria até às 17 h, quando Hall voltaria para fazer outras imagens do local com mais pedestres.


As micro câmeras que compunham o sistema Big Brother tinham um zoom e sistema de controle extraordinários, que Hall conseguiu, dentre centenas, fotos nítidas da face de um dos traficantes.

Hall almoçou no próprio jornal e por volta das 13h30min voltou a sua sala cheia

de monitores, mais de 50 e todos divididos mostrando as imagens das diversas

câmeras. Hall tinha agora que fazer imagens para sua segunda pauta. Tratava-

se do tráfico de cognnicting nas margens da Rodovia Bandeirantes, próximo ao

Pico do Jaraguá. Nesta pauta Hall fez o trivial, umas imagens de alguns carros

parando no acostamento da pista e em poucos minutos sendo abordados pelos

traficantes, que levavam o cognnicting consigo, negociavam debruçados nas

janelas dos carros, e saiam, tanto o comprador quanto o traficante sem

nenhum problema, em plena luz do dia. O cognnicting já estava há uns 15 anos no Brasil, uma espécie de acelerador do metabolismo cognitivo cerebral

que melhorava o raciocínio, a memoria, a lucidez e a ligeireza de pensamento e de correlação.


As micro câmeras que compunham o sistema Big Brother tinham um zoom e

sistema de controle extraordinários, que Hall conseguiu, dentre centenas, fotos

nítidas da face de um dos traficantes. No entanto, a foto publicada seria mesmo

de um carro no acostamento com um sujeito debruçado na janela. A imagem

ainda enquadrava um pedaço de placa de transito, indicando a saída para o

Jardim Jaraguá, o que melhorava ainda mais as imagens, devido à referência espacial.


Por volta das 16h30min, após um lanche oferecido diariamente pelo “Metrópole

S.P.”, Hall verificava o filme do local crítico para os pedestres na região da

Praça da República, gravado em alta velocidade, e foi surpreendido com um

flagrante de atropelamento. Imediatamente voltou para a câmera em tempo

real e verificou o local, que estava sem as barracas na calçada e com uma faixa rente ao meio fio.


Voltou para as imagens gravadas e localizou exatamente o momento em que

um carro atropela um pedestre que, às 15h58min, teria invadido a rua. Hall

observou todo o filme, fez vários frames (fotos), inclusive do resgate. Entregou

várias imagens das duas pautas para o editor e estava indo embora para casa,

pois a última pauta do dia, cobriria de sua própria casa. Era o jogo do São

Paulo contra o Vasco, no Morumbi que iniciaria às 22 h.


A revista prezava por um trabalho fotográfico de qualidade e neste caso, Hall teria que voltar a fotografar com as câmeras digitais ou filmes eletrônicos, além da odisseia de circular atrás da informação pela imensidão da cidade.

Saindo do “Metrópole S.P.” e voltando para casa às 17h, Hall concluía que

aquele dia não tinha sido dos piores; afinal, uma das pautas acabou sendo

transferida para a equipe de PhotoDronne – tratava-se da entrega da nova

Ponte das Bandeiras, de dois andares de vias, após dois anos de reformas. O

ato oficial com Prefeito, Governador dentre outros seria na própria ponte, uma

ótima ocasião para o uso dos Dronnes -, e a outra pauta, a do jogo, deveria ser simples. Teria sido um dia fácil.


Quase no final do segundo tempo e Hall já tinha selecionado as fotos dos dois

gols do Vasco sobre o São Paulo. Também tinha enviado para o jornal algumas fotos da torcida e algumas dos técnicos. Só aguardava o final do jogo... quando

toca seu telefone. Um amigo lhe dizia que uma publicação editorial sofisticada,

iria lhe oferecer uma vaga como repórter fotográfico, para ganhar quase o

dobro. A revista prezava por um trabalho fotográfico de qualidade e neste caso,

Hall teria que voltar a fotografar com as câmeras digitais ou filmes eletrônicos,

além da odisseia de circular atrás da informação pela imensidão da cidade.

No instante ele não sabia o que falar. Desligou, o Vasco ganhou e Hall ficou

com tal pensamento na cabeça. Voltar a fotografar com câmeras em uma

odisseia pela cidade ou continuar gerando imagens através dos sistemas do “Metrópole S.P.”?


Hall, como todo dia, para adormecer, colocava em um canal de filmes antigos.

Naquele dia estava passando um bem antigo, com mais de 100 anos, um tal de

“2001, uma odisseia no espaço”. Naquele instante Hall, filho de Hall 9000 fechava os olhos e dormia ao som de Danúbio Azul.




Doutor em Comunicação pela Universidade Paulista - UNIP, Alexandre Sacomano já atuou na mídia impressa em veículos como Diário do Povo de Campinas, Primeira Página em São Carlos, além de diversas rádios. Atualmente é professor de jornalismo da Unip. Criador do Projeto Jornalismo Transformador e membro pesquisador do Grupo de Pesquisa Interdisciplinaridade Movimento e Transformação – INMTRA.


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