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Atualizado: 25 de jul. de 2023

A humanitária Vila Minha Pátria

Por Isadora Stenztler e Rodrigo Zanotto


Aos 35 anos, Mohammad Naser Yunessi se viu obrigado a deixar o Afeganistão para um rumo incerto ao lado da família. A saída das tropas americanas do país, em agosto de 2021, somado ao seu cargo como funcionário do governo afegão, o colocavam na mira dos talibãs. Era preciso um refúgio para recomeçar longe dali.



Ao lado da esposa, Nazhez Yunmssi, de 33 anos, e os três filhos, Mohammad seguiu primeiro para o Irã, depois para a Turquia e, então, para o Brasil, onde encontrou abrigo na Vila Minha Pátria, coordenada pela Junta das Missões da Convenção Batista Brasileira, no município de Morungaba, a 97 quilômetros de distância da capital paulista, rumo ao interior.



Em setembro do ano passado, Mohammad era um dos 162 refugiados afegãos acolhidos no local, após dias de fuga, frio e fome, alguns passados no Aeroporto Internacional de Guarulhos, onde encontrou auxílio com voluntários da Vila.

O espaço oferece alimentação, moradia e aulas para que os imigrantes possam ser inseridos na cultura brasileira e, então, encontrarem a independência.



A imigração

A chegada desses grupos ao Brasil se dá pela facilidade criada pelo governo brasileiro, ainda em setembro do ano passado. Por meio da portaria interministerial número 24/2021, foi estabelecida a concessão de vistos humanitários e autorização de residência por razões humanitárias para afegãos, apátridas e pessoas afetadas pela situação naquele país. Na prática, isso significa que cidadãos só precisam comprovar a nacionalidade afegã para ter o pedido de refúgio analisado pelo procedimento simplificado.



Segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança, desde dezembro do 2021 até julho de 2022, 484 afegãos solicitaram refúgio ao Brasil. Desse total, 61,5% são homens e 38,5%, mulheres. Mas no mesmo período, apenas 23 cidadãos afegãos foram reconhecidos como refugiados.


Embora o Brasil tenha sido pioneiro em auxiliar o refúgio, ele não foi eficiente em criar uma política de acolhimento. Por isso, muitos refugiados acabam chegando ao Brasil e permanecendo a esmo nos aeroportos, cabendo a iniciativas independentes acolher essas pessoas.



Foi nesse contexto que Mohammad e sua família conheceram o programa da Junta das Missões e foram acolhidos na Vila Minha Pátria. “Ficamos cinco dias no aeroporto e fazia muito frio. Até que uma mulher nos chamou para a Vila Minha Pátria. Aqui, ganhamos uma casa, comida e roupas quentes. O povo brasileiro foi muito amoroso e nos recebeu com muito carinho. Foi aqui que nós entendemos o que é humanidade e amor”, disse Mohammad na língua farsi, sendo traduzido pela intérprete Mona Izadi dos Santos, de 35 anos.



A Vila Minha Pátria

Inicialmente, a Vila foi criada para acolher um grupo de refugiados que chegou em abril do ano passado, por meio de um pedido da ONG Internacional que atuava no Afeganistão antes da tomada do país pelos talibãs.


No Brasil, a Junta das Missões da Convenção Batista Brasileira procurou e encontrou um local, a seis quilômetros do centro de Morungaba. A fazenda, que pertencia a um casal, foi cedida aos missionários, que a adaptaram para ser uma comunidade na qual os imigrantes pudessem recomeçar.



Em abril de 2022, chegaram 53 cidadãos afegãos, mas no decorrer dos meses, a vinda de novos grupos fez com que a Vila acolhesse mais pessoas, chegando aos 162 que estavam no local em setembro do ano passado.


O espaço fica em meio a uma área verde e conta com piscina e campo de futebol. Tem 72 chalés, onde as famílias podem viver com seus filhos. Algumas dessas casas são usadas como salas de aula para ensino da língua portuguesa aos imigrantes.



As aulas são dadas a grupos, divididos por idade. Numa das salas visitadas, uma menina de 9 anos, que chegou há dois meses, tem auxiliado como intérprete para novas crianças refugiadas, devido ao avanço que ela já possui na língua portuguesa.


“É um desafio muito grande porque a gente tem que acompanhar a etapa de desenvolvimento de cada criança. Tem quem esteja com a gente há dois meses e começou a silabação. Já há outro que está há quatro dias e já está lendo. Outros estão começando o traçado das letras e há outros com os quais trabalho apenas a coordenação motora. Mas vamos superando os desafios todos os dias, tentando nivelar, para que todos possam alcançar a pré-alfabetização e irem para a escola.”, aponta a coordenadora de educação das Missões Nacionais, Elenice Nazari, de 55 anos, que dava uma das aulas durante aquela manhã.



As aulas ocorrem tanto pela manhã quanto à tarde. Do total de crianças, 30 já estão regularmente matriculadas em escolas da rede municipal de Morungaba. Esse contato se torna importante para o desenvolvimento das crianças e sua imersão dentro da cultura local.


“Nosso programa funciona em três etapas”, explica a coordenadora da Vila Nossa Pátria, Fabíola Molulo Tavares, de 50 anos. “A primeira etapa é o acolhimento que eles têm aqui. Nesse período, eles vão conhecer nossa cultura e também nossa língua. Passados seis meses, vão para a interiorização, que é o momento em que deixam a Vila e vão para outras cidades, onde existem igrejas batistas.”



Nessa etapa da interiorização, os imigrantes, como explica Fabíola, contam com o apoio de membros da própria igreja para alugar uma casa e ter um trabalho. “A casa é alugada pelos próprios membros, até que as famílias tenham condições de se manter. Como também há muitos membros que são empresários, eles mesmos já buscarão garantir algum trabalho para essas famílias e, aí sim, chegar à última etapa, que é a independência”.


Embora a entidade seja ligada à Igreja Batista, a coordenadora do espaço nega que haja interferência nos valores religiosos dos afegãos, na maioria muçulmanos.



A cidade

A cidade onde está inserida a Vila tem quase 14 mil habitantes e possui uma longa avenida, onde funcionam os principais comércios.


Segundo a Prefeitura de Morungaba, a adaptação dada pela comunidade às crianças permite que o ingresso na escola seja mais acessível. Já a partir do momento que são matriculadas, as crianças passam por uma readaptação com todas as crianças da turma durante um mês, período em que podem frequentar as aulas com intérprete.


Ainda em relação aos auxílios para os imigrantes, a equipe do Departamento de Ação e Inclusão Social disse realizou mutirões para inclusão das famílias no CadÚnico, a fim de que recebesses o então Auxílio Brasil e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), conforme critérios e perfil dos usuários.



Nasce a esperança

Um dos primeiros refugiados que chegou à Vila, Nasih Parshan, de 28 anos, já consegue formular algumas frases em português. Ele deixou o Afeganistão em novembro de 2021, junto com sua esposa, Homa Yousuf, de 26 anos, na época grávida de três meses do primeiro filho do casal. Ela estava terminando a Faculdade de Ciências Políticas e, devido às investidas dos talibãs, que cerceiam os direitos das mulheres, reprimindo inclusive a educação, Nasih temia pela vida dela.



Esse medo se somava ainda à impossibilidade de Nasih exercer sua profissão, de engenheiro eletrônico, e por isso, não pensou duas vezes em deixar o país com a esposa e irem para o Paquistão. A ida, no entanto, foi difícil. Nasih ainda se recorda das longas filas onde passavam o tempo todo em pé, na intenção de chegar a um novo país. Do Paquistão, eles vieram para o Brasil em abril deste do ano passado. Homa já estava com sete meses de gestação.


“Já havíamos passado por muita coisa. Primeiro, nossa caminhada a pé e as longas horas que esperamos. Aquilo já havia me deixado preocupado. Quando decidimos vir ao Brasil, me preocupei porque ela já estava de sete meses e tinha muito medo de avião. Não sabia o que poderia acontecer”, recorda-se.

Foi só quando chegaram ao Brasil que ele disse ter sentido paz, depois de muito tempo. Esse sentimento aumentou quando nasceu Salar Parshan, em julho do ano passado, o primeiro filho do casal. “Isso nos trouxe esperança. O nascimento dele, com apoio da Vila, foi muito importante. Ele ganhou roupas e teve todo o cuidado. Meu filho agora é brasileiro e sei que aqui iremos construir uma vida melhor”, frisa.

Isadora Stenztler é jornalista, fotojornalista e especialista em Direitos Humanos. Participou de cursos para cobertura em situações de conflitos, crises humanitárias, segurança pública e demais pautas relacionadas ao direito das mulheres, negros e negras, imigrantes, refugiados e indígenas.


Rodrigo Zanotto é formado em Rádio e TVR. Trabalha há mais de 20 anos ora como fotojornalista e ora como diretor de fotografia em produções que vão de clipes a vídeos institucionais. Eterno estudante de música que é, coleciona instrumentos musicais. Trabalha atualmente no jornal Correio Popular.

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