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Foto do escritorURRO

Phoesydra

Atualizado: 4 de dez.

Vazio irreversível

Por Maurício Simionato

Havia um cavalo

de galope calado,

ilhado,

sobre o telhado

da casa alagada:


nem dourado, nem feliz,

nem fake, nem colorido, nem alado,

nem mesmo triste:

desaparecendo.

 

Trouxe consigo

um silêncio de alerta

para mostrar que algo

tornou-se tarde demais.

 

Antes do primeiro amanhecer,

sonhou em salvar-se

de precisar ser salvo

pelos homens.

 

No pesadelo da segunda aurora tardia,

achou que fosse um urso

raquítico a flutuar no mar, sem destino,

num bloco de gelo desgarrado.

 

Entre a terceira noite e o sol a pino,

delirou em ser

um tamanduá-bandeira

cercado por labaredas, afundando lentamente no chão.

 

Rente à madrugada seguinte, só

desejou trotar livremente

sobre as águas, 

rumo a rios erráticos

 

No último dia, sequer sonhou,

soltou seu relincho engasgado

ante o raiar de um vazio

irreversível

 

Foi resgatado

numa manhã desamparada

de quinta-feira.

Mas até quando?


Foto: Inteligência Artificial gerada como sugestão de ilustração                                                       


Motivo

A Pedra pede

Água e

Nada mais,

além de tudo

O que vier 

Por enquanto,

Caminho de

Só seguir

Destino que se

Oferece como 

coisa dada, mera

Ocasião fatal

Presente que 

não se pode recusar 

De fato

Seria desfeita

Não ir

Pra onde se é

Levado 

Mesmo que isso

Lhe pareça

Escolha, envolta 

Numa surpresa

Que se apresenta

Na realidade,

Nem feliz

Nem triste, 

Outrora impossível.

E nada mais.


Foto: Inteligência Artificial gerada como sugestão de ilustração  


O sol turvo do infinito (entourage-rizoma)

Onde as margens

erguem suas brasas

paira o eterno que devora o sol

Esse ar opaco que respiro      /             encobre o último verso

do poema final.

“Quem é você na filados ossos,

afinal?”

Meu destino desatrelado

na poeira do tempo, como se não bastasse 

   vir-ao-mundo

Então, fica

o que não foi dito,

resta afiar as lâminas

dos dias passados, inalcançáveis.

Isso é forma de rezar,

de condensar a existência,

suspirar o infinito.

Na terceira margem

das entrelinhas irrompe um deus selvagem   

                       que sabe sofrer                        

  entre pássaros de fumaça

 

Foto: Inteligência Artificial gerada como sugestão de ilustração


Sem estrelas                                  

Recolhidos estes utensílios inúteis

dentre eles, poemas perdidos,

alfinetes enferrujados e protetores auriculares,

sobra o tempo para

outras paisagens desaparecem

aos poucos. Esse turbilhão

incontroverso leva consigo

pessoas que amamos,

recortes de jornais amarelados,

bilhetinhos desbotados, e o resto.

Lembranças somem, incluindo

as minhas, que já não estão

nestas entrelinhas,

as suas, que estão bem aqui,

os sonhos, que surgem de passagem,

e os pesadelos, que se derramam ao amanhecer.

A vida a se mover

como um jogo de amarelinha,

após o temporal.

Atmosferas proféticas ofuscam os horizontes de Sísifo.

Gravidades afastam toda a gente,

as puxam, as soltam, as prendem,

as agarram, as desgrudam,

as controlam, as ascendem.

Aqui, cessam as tentativas de fuga,

tal pássaros em pleno voo.

Não haverá mais a memória do hoje

daqui um século.

Estes são modos de estar num mundo

em desconstrução e, por ora,

desprovido de estrelas.

 

***

 

A URRO! publica com exclusividade essa seleção de quatro poemas que estão no novo livro de Maurício Simionato, editor dessa revista digital de cultura e artes. O livro, cujo título provisório é “Poemas de sobremesa para assistir ao fim do mundo”, será publicado no primeiro semestre de 2025.

 


Maurício Simionato é poeta e jornalista. Como poeta, lançou os livros Impermanência (2012) — selecionado pela Secretaria de Cultura de Campinas —, Sobre Auroras e Crepúsculos (Multifoco, 2017) — lançado na Bienal do Livro do Rio/2017 —, e O AradO de OdarA (Uma distopia tropical) (Patuá, 2021). O autor também tem poemas publicados em diversas revistas especializadas em literatura, assim como em mais de 15 antologias poéticas. Foi três vezes finalista do Prêmio Off Flip (2020, 2021 e 2023) e, ainda, finalista do Prêmio Guarulhos de Literatura (2019).

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