Solidão
Por Paulo Reda
Da solidão vim...e a ela voltarei
“Ahí estaré esperando uma cita impossible, um encuentro que no se cumplirá”. Balada del Ausente – Juan Carlos Onetti
Quinta-feira (7 de maio) – “Juan Carlos Onetti foi acometido pelo tédio. Deu um beijo em sua mulher, Dolly, pegou uma dúzia de revistas, romances, cigarros e um uísque e se instalou na cama. Desde então, há muitos anos, contempla o mundo, sem se mexer, através de qualquer livro ou jornal que cai em suas mãos”.
Esse é o trecho de abertura de uma entrevista concedida pelo escritor uruguaio Juan Carlos Onetti em 1989 ao jornal El Pais. Auto-exilado em Madrid desde 1975 por conta da situação política em seu país, Onetti, gravemente doente, não saia de casa há cerca de nove anos. Esses dias morreu Aldir Blanc, outro que nos últimos anos de vida praticamente não ousava botar o nariz pra fora. Mesmo assim a peste não o poupou.
As ruas para Onetti e Aldir passaram a existir apenas em suas imaginações. As peregrinações infinitas por Montevidéu ou Buenos Aires (Onetti) ou pelo Centro e subúrbios cariocas (Aldir) viraram coisa do passado. O que lhes restava era a solidão, mas uma solidão povoada por fantasmas de ruas, bares, amigos, amores...O que seria a verdadeira vida, a nossa sucessão de pretensas banalidades do dia-a-dia ou aquela reinventada pelas imaginações febris de Onetti e Aldir em suas camas?
Hikikomoris
Onetti e Aldir celebravam as ruas e só as abandonaram por imposições físicas. Divago aqui, porém, se com o tempo não passaram a, de alguma maneira, amar o autoconfinamento e a solidão, que lhes permitia construir um mundo com as lembranças de infância e mocidade.
No mundo hiperconectado que vivemos essa opção pelo isolamento passa longe das razões que motivaram Onetti e Aldir. No Japão atualmente mais de 500 mil pessoas vivem completamente isoladas do mundo. Elas são conhecidas como hikikomoris, termo criado pelo psicólogo japonês Tamaki Sait, no livro “Isolamento Social: uma adolescência sem fim”.
A tentação de construir uma vida virtual sem sair do quarto, o apoio quase irrestrito de pais condescendentes e as dificuldades de adaptação às naturais hostilidades da vida explicariam o fenômeno. Já existe até um centro especializado em oferecer apoio aos hikikomoristas, o Yokayoca, uma espécie de AA ou NA de esquisitões solitários.
Prefiro não fazê-lo
Hoje todos nós vivemos a mesma situação, exilados em nossas casas enquanto a peste nos rodeia. Como reagiremos, porém, na hora em que nos for permitido sair? Estaremos prontos para retomar nossas antigas vidas? Ou repetiremos, como aquele famoso escrivão da novela de Herman Melville: prefiro não fazê-lo!
“In my solitude
You taunt me”
Duke Ellington/Irving Mills
Da solidão vim,
e a ela voltarei,
INEXORAVELMENTE!
Breve e ilusório interregno,
repleto de insultos e ação,
separa as inevitabilidades.
Inventando o todo dia,
na ilusão de pairar sobre os vulgares laços,
as noites surgiam como uma benção,
a lembrar-nos do contrário.
O sopro vindo de uma praia da África
balança as folhas dos chapéus-de-sol
e redemoinha a areia a seus pés.
O que nos resta é o crepúsculo,
a dividir o dia, como as vidas,
entre graça e tristeza.
Agonizo sem vaidade sobre a pedra fria,
sob o olhar vigilante dos seis.
Quando um deles, não sei qual,
declara com simpatia:
Era um dos nossos!
Paulo Reda é jornalista há 31 anos, com passagens por diversos veículos de comunicação. Crítico literário, musical, cronista e poeta bissexto. Diretor do bloco carnavalesco Nem Sangue nem Areia. Alegria é Coisa Séria!!!
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