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Palavrório

Atualizado: 21 de jun. de 2022

Os bares morrem numa quarta-feira

Por Paulo Reda




Quarta-feira – Dia 8 de abril – “Pois os bares nascem, vivem, parecem

eternos e a um determinado momento morrem. Morrem numa quarta-feira,

como diria Mario de Andrade” (Paulo Mendes Campos).


A peste transformou todos os nossos dias em quartas-feiras. Os bares

estão mortos, ou pelo menos em estado de catalepsia. Com o isolamento

decretado, apenas farmácias, supermercados e restaurantes que vendem

marmitex funcionam. Um mundo feito à imagem e semelhança de

velhinhos abstêmios. Alguém, acho que Aldous Huxley, disse ser a

abstinência o mais estranho dos vícios. Tendo a concordar. Gente que não

bebe é capaz das maiores infâmias, geralmente em nome da virtude.


Esse poeta se classificava como um drinking class hero: desenraizado, bêbado e feliz!!!

Os bares não são apenas imóveis equipados com mesas, cadeiras,

balcões, garrafas e copos. São entidades quase incorpóreas. Certa vez uma

moça, hostess (palavra que já esteve na moda para descrever aqueles

meninas bonitas que alguns botecos chiques plantam na porta para atrair

clientes) me questionou sobre o fato de frequentar determinada birosca

imunda, que tinha como dono um dos sujeitos mais malcriados que já

conheci. Respondi. “Eles têm uma coisa que o seu bar jamais terá: alma!

Estabeleci uma rígida rotina etílica para suportar todos esses dias

entocado. Por volta de 15h, 15h30 tomo duas latas de cerveja, das

pequenas, de 269 ml, e uma dose generosa de cachaça (ou cataia). Mais

tarde, entre 21h30 e 22h, um uísque nas pedras. Duplo ou triplo. Para

muitos pode parecer um exagero, para mim é pouco. Muito pouco!!! Bebo

todos os dias há mais ou menos 35 anos.


Doido e impaciente pelo arrastar-se da vida, ouço música e leio, mas

beber sozinho é muito chato. “Porque beber não posso lá onde fontes

flutuam e árvores florescem?”, escreveu um poeta bissexto anônimo, que

me fez guardião de sua incipiente obra. Esse poeta se classificava como um

drinking class hero: desenraizado, bêbado e feliz!!! Versos feitos há anos.

Desenraizado e bêbado ok. Feliz...


Outro poeta, esse notório, já citado lá em cima, PMC, matou a

charada: “bebo, no duro, pra esquecer o futuro”. Esquecer o futuro, o que

virá depois da peste, se tornou um imperativo categórico.




Paulo Reda é jornalista e cronista.




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