Os bares morrem numa quarta-feira
Por Paulo Reda
Quarta-feira – Dia 8 de abril – “Pois os bares nascem, vivem, parecem
eternos e a um determinado momento morrem. Morrem numa quarta-feira,
como diria Mario de Andrade” (Paulo Mendes Campos).
A peste transformou todos os nossos dias em quartas-feiras. Os bares
estão mortos, ou pelo menos em estado de catalepsia. Com o isolamento
decretado, apenas farmácias, supermercados e restaurantes que vendem
marmitex funcionam. Um mundo feito à imagem e semelhança de
velhinhos abstêmios. Alguém, acho que Aldous Huxley, disse ser a
abstinência o mais estranho dos vícios. Tendo a concordar. Gente que não
bebe é capaz das maiores infâmias, geralmente em nome da virtude.
Esse poeta se classificava como um drinking class hero: desenraizado, bêbado e feliz!!!
Os bares não são apenas imóveis equipados com mesas, cadeiras,
balcões, garrafas e copos. São entidades quase incorpóreas. Certa vez uma
moça, hostess (palavra que já esteve na moda para descrever aqueles
meninas bonitas que alguns botecos chiques plantam na porta para atrair
clientes) me questionou sobre o fato de frequentar determinada birosca
imunda, que tinha como dono um dos sujeitos mais malcriados que já
conheci. Respondi. “Eles têm uma coisa que o seu bar jamais terá: alma!
Estabeleci uma rígida rotina etílica para suportar todos esses dias
entocado. Por volta de 15h, 15h30 tomo duas latas de cerveja, das
pequenas, de 269 ml, e uma dose generosa de cachaça (ou cataia). Mais
tarde, entre 21h30 e 22h, um uísque nas pedras. Duplo ou triplo. Para
muitos pode parecer um exagero, para mim é pouco. Muito pouco!!! Bebo
todos os dias há mais ou menos 35 anos.
Doido e impaciente pelo arrastar-se da vida, ouço música e leio, mas
beber sozinho é muito chato. “Porque beber não posso lá onde fontes
flutuam e árvores florescem?”, escreveu um poeta bissexto anônimo, que
me fez guardião de sua incipiente obra. Esse poeta se classificava como um
drinking class hero: desenraizado, bêbado e feliz!!! Versos feitos há anos.
Desenraizado e bêbado ok. Feliz...
Outro poeta, esse notório, já citado lá em cima, PMC, matou a
charada: “bebo, no duro, pra esquecer o futuro”. Esquecer o futuro, o que
virá depois da peste, se tornou um imperativo categórico.
Paulo Reda é jornalista e cronista.
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