A realidade de Dona Terezinha ainda vai nos salvar!!!
A realidade é doída, injusta, bandida. A realidade inflama, arde, purga. Feito um bom gole do mais potente veneno, ela nos sufoca com o auxílio do tempo que toma segundo a segundo o pouco de vida que ainda palpita do lado de dentro do nosso peito. A realidade insiste: crava em nossas costas o peso do agora e nos inquieta com as aflições que veste de amanhã. Se impondo feito uma doença incurável e maldita, disfarça-se de vida para nos aprisionar e amordaçar com o incauto véu da rotina. A realidade, coitadinha, tenta de tudo mas não percebe que perdeu o bonde, estourou o “timing”, e acabou de fora do instante exato em que Maria Tereza de Andrade fundou seu próprio tempo particular.
Negar a realidade, para essa pobre senhora que vos escrevinha, é, por tanto, uma forma de manter-se viva. Passeando por lembranças, alterando a percepção do agora e fundando um novo amanhã, o tempo dessa tal Dona Terezinha é um tempo outro, onde o desespero não mede forças com a possibilidade infinita e atemporal dos sonhos e dos delírios poéticos. No mundo de Dona Terezinha o tempo serve de base para a criação e não corre, pelo contrário: dura o quanto for necessário para que todos estejam mais jovens e não corram o risco de envelhecer jamais. “Tereziiiinha!”, grita o tempo, esquecendo-se que por aqui, dentro dos meus domínios, sua única opção é passar reto sem se fazer notar ou sentir. Até segunda ordem, não damos eira nem beira a essa mania fantasiada de axioma.
Vamos então à justiça de meu tempo. Antes, porém, se faz necessária a pausa de um instante para preparar o espírito: café preto passado em coador de pano, broa de milho quentinha saída do forno, manteiga em bolotas boiando no soro. De bate e pronto: rapé para arejar o peito. Fôlego, muito fôlego. Espirro alto. Estamos prontos. O risco no chão. Um gole pra quem é de direito, o resto todo pra dentro de uma só vez.
Vem... vem...
“Eh Pagu Eh.
Dói porque é bom de fazer doer.
Eh Pagu Eh.
Nesse tempo de rebanho, onde o gado esparrama seu corpo nas verdes folhas de uma bandeira roubada, tomamos o caminho contrário do bando, afinal o que nos diferencia dessas pobres ovelhas é que caminhamos seguindo o nosso próprio ímpeto e não obedecendo as ordens de algum senhor. Viramos à esquerda e paramos.
“Eh Pagu Eh
O precipício chamado Brasil é logo ali
Eh Pagu Eh”
Fim da linha? Encarando o precipício que nos assombra, com os pés na beirada do absurdo, eu, Terezinha, ao lado de minha gangue de anjos barrocos, fundo um novo tipo de desvairismo: a gandaia psíquica, onde a Justiça não tem nada de divina e lava alma mesmo que em tom ficcional.
“Eh Pagu Eh.
Nas formas do bem-querer.
Eh Pagu Eh”
Do abismo de onde estávamos presos, nos transportamos para um cárcere úmido na cidade de Santos. Ali, enquanto escreve versos e lapida lutas, Patrícia Galvão cospe três vezes no chão ao ouvir alguém gritar o nome do fascista que futuramente governará a nação. Marca com a faca um x na parede e mira Maria Bonita que afia seu facão pra “furá ozóio do cão”, como ela mesma diz. Fogos de São João libertam um sorriso doirado no céu. Rojões rasgam os paralelepípedos de um lugar longínquo e acabam queimando, lá em 2020, o filme em chamas do filho do Capitão Cloroquina.
O Julgamento:
Oficial da desordem - “O senhor tem direito a um telefonema antes de ser pendurado”
Capitão - “Não. Ainda há saída para o meu projeto de poder. Filhão, solte todos os cães da milícia pra cima dessa gentinha e peça ajuda aos ianques. Salve-nos Saint Trump e eleja-nos com a graça de todos os Bannons, táok”
O advogado de defesa – “O twitter está fora do ar, cacete, e o gengivão foi-se embora com a primeira-dama montado na primeira fake-news que partiu agora pouco”
Capitão – “Estamos mortos”
01 – “Enquanto houver rachadinha há esperança”
02 – “Saio da vida para fracassar na história. Índio, me salva”
O promotor – “Não há tempo para ouvir o 03, a decisão já foi tomada. Em nome da democracia, contra o Führer e todas as vadias fascistas da terra, declaro pena de morte. Podem preparar o acusado, engraxar a corda e pendurar no poste!”
Fade in:
O capitão está pendurado no poste, espumando e se desmanchando em espasmos. Ao seu lado sua prole, também moribunda, tem a boca suja de mentiras e as mãos encardidas de sangue enquanto se trimilica em direção ao oco do chão. Assistindo a tudo, a multidão entorna garrafas e entoa um canto de liberdade que ecoa por todo o Brasil.
Fade out.
Mesa da cozinha. Terezinha serve uma boa xícara de café preto passado em coador de pano. Morde com gosto sua broa de milho quentinha saída do forno com manteiga em bolotas tirada do soro. De bate e pronto: rapé para arejar o peito. Fôlego, muito fôlego. Espirro alto. Um sorriso mordido no canto da boca. Um cigarro de palha. Seus lábios sujos de banha se abrem: “No tempo de Dona Terezinha, fascista bom é fascista morto”.
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