O jornalista e o pacto
Por Eric Nunes Iamarino
Em 1991, decidi deixar a cidade de Campinas em direção a São Luís, a fim de trabalhar e viver naquela bela e encantadora cidade. Naquela época, a capital do Maranhão era um palco rico em histórias peculiares e personagens que transitavam entre o fascínio e o mistério. Ao assumir o posto de secretário de redação de O Estado do Maranhão me deparei com uma série de eventos que transformaram minha vida em uma narrativa digna de folhetim. A capital maranhense é popularmente conhecida como a Jamaica brasileira, sendo considerada a capital do reggae no país.
Após uma longa jornada na redação, decidi aliviar as tensões no bar do Di Assis, um tradicional e popular ponto de encontro onde as paredes respiravam segredos e as sombras sussurravam mistérios, tudo regado a uma cerveja sempre gelada e petiscos saborosos. O ambiente vibrava com conversas animadas, mas algo no ar denunciava que a noite não seria apenas mais uma.
Sentado em uma mesa, mergulhado na fumaça do cigarro e nas nuances da luz amarelada, eu me via envolvido em pensamentos sobre as histórias que circulavam pela Ilha do Amor. Foi quando um indivíduo sombrio, até então desconhecido, ocupou a mesa ao meu lado.
Numa atmosfera densa, ele se aproximou de mim. Seus olhos penetrantes continham uma sagacidade que não se via com frequência. Sem rodeios, se apresentou como um colaborador da coluna de cartas do leitor de O Estado do Maranhão. Dito isso, agradeceu-me pelo espaço que lhe foi concedido para uma de suas cartas, mas a expressão em seu rosto continha algo mais tenebroso.
Sua voz, sussurrante, teceu elogios à minha disposição em publicar suas palavras no jornal e, de forma intrigante, propôs um agradecimento pessoal. Recusei, naturalmente, mas sua persistência transformou o ar ao redor em uma tensão palpável.
Diante disso, num gesto enigmático, ele sacou uma caneta e um pedaço de papel de seu bolso, escrevendo algo misterioso. A partir daí, o suspense se tornou ainda mais intenso, aumentando a tensão no ar.
Ao entregar o papel, com seu nome e número de telefone, minha curiosidade aumentou. Diante disso, surgiu a seguinte questão intrigante e misteriosa: “Você tem inimigos?” A pergunta dirigida a mim por este ser misterioso reverberou como um trovão silencioso em minha mente.
Perplexo, respondi que não. Foi nessa ocasião que ele revelou sua atividade fora do convencional. Ofereceu os seus singulares serviços, garantindo-me o primeiro “trabalho” de graça, caso assim eu precisasse.
Naturalmente, agradeci pela gentil oferta, assegurando-lhe que, se porventura necessitasse de seus serviços, o procuraria com certeza. Testemunhei-o desvanecer-se na penumbra, deixando para trás um intrigante rastro de mistério.
Aturdido, busquei esclarecimentos junto a Di Assis, o dono do bar. Seus olhos envelhecidos irradiavam sabedoria enquanto desvendava a verdade: o misterioso sujeito era um dos pistoleiros mais temíveis do interior do Maranhão, colecionando uma extensa lista de almas destinadas ao além, em uma narrativa que ecoava o clássico estilo “Zeca Diabo” da novela O Bem-Amado.
Lima Duarte no papel de Zeca Diabo em o Bem Amado - Foto: Cedoc-TV Globo
Assim, aquela noite, que começara como tantas outras, se desdobrara em um capítulo sombrio e inusitado de minha jornada como jornalista em São Luís. O suspense pairava no ar, e a oferta sinistra do estranho se tornara uma sombra indelével em minhas memórias.
Por sorte, jamais me vi na necessidade de recorrer aos serviços macabros sugeridos naquela noite, e aquele sinistro número de telefone nunca foi discado ou digitado. Contudo, a experiência se fixou como uma cicatriz na minha memória, um capítulo perturbador entre as inúmeras narrativas vivenciadas durante minha feliz trajetória como jornalista em São Luís de Gonçalves Dias, Aluísio Azevedo, Josué Montello, José Louzeiro, Ferreira Gullar, José Sarney e tantos outros.
Eric Nunes Iamarino é jornalista no Correio Popular e exerceu o cargo de secretário de redação no jornal O Estado do Maranhão.
Comments