Sumiços na reportagem
Por Wanderley Garcia
Fiquei alguns minutos olhando para os carros estacionados. Mas o homem que eu esperava jamais ressurgiu. Com ele se foi a história que eu poderia publicar. Será que existiu mesmo?
Era o último dia de outubro de 1996 e eu estava em São Paulo, em frente ao Instituto Médico Legal. Minha missão: descobrir uma vítima ou parente de vítima de Campinas e região. A tragédia: o acidente com o Fokker 100 da TAM na capital paulista que deixou 99 mortos.
Logo que cheguei vi um homem conversando com uma jornalista da Agência Estado. Ouvi algo sobre Campinas e me aproximei. A história era tudo que eu precisava. Seu irmão morava na cidade, ia para o Rio de Janeiro fechar a compra de uma fazenda. O homem me passou o nome do irmão, telefone, endereço para que procurássemos outros parentes.
Corri para uma cabine telefônica e passei os dados para a redação em Campinas, que mobilizou outros repórteres. Continuei por ali vendo chegar os carros do IML, os familiares que entravam e saíam, jornalistas como eu buscando histórias.
Mais tarde liguei para a redação e me alertaram: nenhuma das informações que passei batia. Nem telefone, nem endereço, nem mesmo o nome constava na lista telefônica.
Procurei de novo o tal irmão da vítima. Quando o questionei sobre a inconsistência ele olha em direção aos carros estacionados, diz que outros parentes estão chegando e se afasta às pressas.
Jamais voltou.
Depois, ouvi outras pessoas falarem da vítima que seria o fazendeiro de Campinas. De fato um homem com aquele nome constava na lista de passageiros. Mas morava em Curitiba, sem nenhum envolvimento com Campinas. Sequer era fazendeiro.
*
Véspera de sexta-feira 13. Saí em busca de religiosos para falar sobre a data supersticiosa. Já de volta à redação, fui chamado por Paulo San Martin, de pé próximo a sua mesa, telefone numa das mãos. Perguntou-me se não fui ao terreiro entrevistar o pai de santo. Disse que sim. Ele então me transferiu a ligação: “conversa com ele, que está te esperando lá”.
Eu de fato havia passado pelo terreiro na Vila Boa Vista, fomos bem recebidos, fizemos fotos e o pai de santo me explicou sobre a cerimônia que estavam preparando.
Depois de ouvir minha resposta ao telefone, o pai de santo se convenceu de que eu havia passado pelo terreiro. Mas quem me recebeu e concedeu a entrevista foi o santo. Ele mesmo não se lembrava de nada.
*
No primeiro caso a fonte sumiu. No outro foi o repórter.
Mas estas são as histórias que não saem nos jornais.
Wanderley Garcia é jornalista e doutor em educação. É criador e editor do site dajanela.com.br . À época dos fatos narrados era repórter no Diário do Povo.
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