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Luz Profana

Atualizado: 8 de jul. de 2022

A arte como um bem universal da humanidade

Por Carlota Cafiero


Assim como em qualquer sociedade moderna, principalmente de países em desenvolvimento, conforto e bem-estar não são acessíveis a todos, nem para a maioria. A arte também é tratada como um bem para poucos.


Refiro-me à arte no sentido mais amplo, abarcando todas as linguagens. Como nos tempos da aristocracia francesa, em que a facilidade de acesso à arte e à chamada alta cultura diferenciava os nobres dos burgueses, a arte ainda é usada como um instrumento de diferenciação social.


Moça lendo - obra do pintor e desenhista José Ferraz de Almeida Junior


Faço esta reflexão após reler o artigo Direito à Literatura, de um dos maiores intelectuais e críticos literários que o Brasil já teve: Antonio Candido (1918-2017). O texto foi escrito para uma palestra em curso organizado em 1988, pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, posteriormente reunido no livro Vários Escritos (Duas Cidades/Ouro Sobre Azul).


Em sua fala, Candido defende a leitura como um direito universal. Sem desmerecer qualquer criação ficcional, popular ou erudita, o autor considera importante entrar em contato com todo tipo de fabulação, todos os dias.


Pois, assim como sonhamos todas as noites, ninguém é capaz de passar 24 horas por dia sem alguns momentos de entrega ao universo fabulado – como faz a figura retratada na tela Moça com Livro (sem data), de Almeida Junior, que ilustra esse artigo. As telenovelas também fazem parte desse exercício saudável.


No cerne da questão que o autor levanta está: por que relegar às classes sociais menos favorecidas a cultura de massa e dificultar o acesso aos grandes clássicos da literatura, romances de autores universais como Balzac, Stendhal ou Flaubert?


Para Candido, o público analfabeto tem condições de se emocionar e compreender as grandes obras, desde que corretamente disponibilizadas, como por meio da contação de histórias ou adaptação para teatro ou televisão. Da mesma forma, critica as classes sociais abastadas de não usufruírem da facilidade de acesso à cultura para além do entretenimento e, se o fazem, é por puro esnobismo.


Mas também poderíamos perguntar: por que a arte – seja ela literatura, teatro, artes plásticas, cinema, dança – é importante às sociedades que chegaram ao topo das conquistas tecnológicas e materiais? Importa porque, como ressalta Candido, não há progresso sem o respeito à dignidade humana, e a arte faz parte da conquista e manutenção dessa dignidade.

O problema das sociedades modernas é que elas substituem um conhecimento por outro, como se aquele criado por civilizações ou gerações do passado não prestassem mais. Todo o legado da sabedoria popular é jogado no esquecimento em sociedades que consomem culturas estrangeiras.


Como bem colocou o mitólogo Joseph Campbell, não estamos mais familiarizados com a cultura do espírito, pois nossos interesses estão voltados para as notícias do dia e aos problemas cotidianos.


Dentro desse contexto, conclui que não há espaço para voltarmos nossa atenção à magnífica herança humana, que recebemos da nossa grande tradição: Platão, Confúcio, Buda, Goethe e outros, que falam dos valores eternos, que têm a ver com o centro de nossas vidas. É essa é a contradição da nossa época, apontada por Candido: vivemos uma barbárie ligada ao máximo da civilização.


Carlota Cafiero é jornalista e historiadora da arte.

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