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Luz Profana

Atualizado: 21 de jun. de 2022

O mundo do trabalho

Por Carlota Cafiero



Eu acreditei num mundo do trabalho diferente. Meu primeiro registro em carteira foi aos 18 anos, como professora de pré-escola. Cresci acreditando no emprego, nas leis trabalhistas, na previdência social, na força do trabalhador e na escolha acertada de uma profissão para toda a vida; e já contava com 25 anos de contribuição quando vieram as reformas trabalhista e previdenciária, a pandemia, o trabalho remoto...e tudo o que era sólido se desmanchou no ar.


Sociedade líquida, modernidade líquida, tempos líquidos. Se você gosta de humanidades, deve se lembrar desses termos. Zygmunt Bauman (1925-2017), filósofo e sociólogo polonês, foi quem cunhou tais conceitos, pensando na fluidez das relações e instituições humanas no século mais veloz e revolucionário de todos os tempos, o século 20.


As instituições de ação coletiva, nosso sistema político, nosso sistema partidário, a forma de organizar a própria vida, as relações com as outras pessoas, todas essas formas aprendidas de sobrevivência no mundo não funcionam direito mais. Mas as novas formas, que substituiriam as antigas, ainda estão engatinhando.

Em entrevista ao jornalista Marcelo Lins, durante passagem pelo Brasil, em 2016, Bauman disse que estamos, neste século 21, num período de interregno: “No estado de interregno, as formas como aprendemos a lidar com os desafios da realidade não funcionam mais. As instituições de ação coletiva, nosso sistema político, nosso sistema partidário, a forma de organizar a própria vida, as relações com as outras pessoas, todas essas formas aprendidas de sobrevivência no mundo não funcionam direito mais. Mas as novas formas, que substituiriam as antigas, ainda estão engatinhando”.

Parafraseando o poeta Fabrício Carpinejar, em quase meio século eu vivi tantas revoluções tecnológicas que me sinto uma anciã. No meu primeiro ano da faculdade de Jornalismo, datilografava as laudas em máquinas de escrever ao mesmo tempo em que registrava meu primeiro e-mail na sala de computação da instituição; aprendia fotojornalismo com câmeras de filme e revelação química enquanto a câmera digital começava a se popularizar no Brasil.


O proletariado, formado por aqueles que só contam com sua força de trabalho para sobreviver, entrou em declínio e hoje só resiste nos livros de história, nos romances de época e nas obras de arte.

Os movimentos da história e as transformações sociais não acontecem de maneira estanque, elas ocorrem simultaneamente, mas o surgimento da internet e das ferramentas digitais, junto com as novas políticas neoliberais, impactou o modo de produção industrial, a economia e o mercado, acarretando profundas mudanças na classe trabalhadora e nas relações trabalhistas. O proletariado, formado por aqueles que só contam com sua força de trabalho para sobreviver, entrou em declínio e hoje só resiste nos livros de história, nos romances de época e nas obras de arte.


O muralista mexicano Diego Rivera (1886-1957) foi um dos grandes entusiastas da classe proletária. Criou murais que representam uma verdadeira ode ao operariado. Destacam-se os murais da série Detroit Industry, com 27 afrescos, realizados entre 1932-1933, que ilustram o trabalho na Ford Motors. Seguindo a filosofia marxista, Rivera se esmerou para demonstrar a contribuição dos trabalhadores para a dignidade social e o desenvolvimento econômico de um país. O resultado foi controverso e o Instituto de Arte de Detroit convidou alguns clérigos para visitar o mural e comentá-lo: consideraram a obra blasfema.


Um dos painéis representa a Sagrada Família de um jeito diferente: cercada de animais, a figura de um bebê aparece no centro da cena, como Cristo, tendo à sua direita um médico, que desempenha o papel de José, e à esquerda, uma enfermeira, que faz Maria; juntos, aplicam uma vacina no menino. Ao fundo, três cientistas, como os Três Reis Magos, estão focados numa pesquisa. Posso dizer que este painel, intitulado Vaccination, de 1932, ganhou novos vigor e sentido com a pandemia da Covid-19.


Bauman, na entrevista de 2016, nem poderia imaginar a atual crise mundial desencadeada pelo novo Coronavírus, mas também foi profético: “Houve muitas crises na história da humanidade, muitos períodos de interregno, nos quais as pessoas não sabiam o que fazer, mas elas sempre acharam um caminho. A minha única preocupação é o tempo que levarão para achar o caminho agora. Quantas pessoas se tornarão vítimas até que a solução seja encontrada?”.


Carlota Cafiero é jornalista e historiadora da arte.

Ilustração: Vaccination, de Diego Rivera.

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