Pânico + pandemia = deus Pan
Por Carlota Cafiero
Durante muitos séculos, a mitologia grega foi uma das maiores fontes de explicação do universo e de inspiração para artistas de diferentes expressões, especialmente pintores. Desenvolvida por volta do ano 700 a.C., a genealogia do mundo grego descreve a origem de deuses, deusas e toda uma ordem de seres fantásticos que habitava a Terra, entre os quais semideuses, gigantes, titãs, ninfas, górgonas e centauros. Eles ganharam histórias, formas humanas ou antropomorfas (misto de gente e animal), temperamento e sentimentos, e foram cultuados e temidos por gerações de gregos e, depois, de romanos – que herdaram a ciência e a religião da Grécia primitiva.
Pânico deriva do termo grego pan, que significa “tudo ou todos” e designa também o deus Pan...
As primeiras criações artísticas a respeito dos deuses gregos foram realizadas entre os séculos 7 e 8 a.C., pelos poetas Hesíodo (em Teogonia) e Homero (com Ilíada e Odisseia), obras estas que deram origem à literatura ocidental e a palavras que batizam continentes, países, cidades e pessoas e descrevem sentimentos e emoções. Uma delas é “pânico”. Você já parou para pensar na etimologia dessa palavra?
Afinal, Pã não era lá muito apresentável: misto de homem com bode, tinha chifres e patas...
Pânico deriva do termo grego pan, que significa “tudo ou todos” e designa também o deus Pan ou Pã (em português), uma divindade da natureza, que morava em grutas, vagava pelos bosques, campos e entre os rebanhos, e divertia-se caçando ou dirigindo a dança das ninfas – espíritos naturais femininos dos rios, fontes, vales e bosques.
Inicialmente cultuado pelos pastores de Arcádia, uma região montanhosa do Peloponeso, ao sul da Grécia, Pã virou símbolo de medo. Passou a ser temido, sobretudo, pelas pessoas que tinham de atravessar florestas durante a noite. Por isso, os pavores súbitos que acometiam as almas mais supersticiosas eram atribuídos a Pã e chamados de “terror pânico” ou, simplesmente, “pânico” (do grego panikós, que quer dizer “relativo à Pan”).
Na lenda, a Siringe é um tipo de flauta campestre inventada por ele, a partir de uma ninfa chamada Sírinx, que era violentamente assediada pelo deus-bode, até ser transformada num caule de cana pela deusa Ártemis.
Afinal, Pã não era lá muito apresentável: misto de homem com bode, tinha chifres e patas – não confundir com Fauno, que apesar das semelhanças, é outro ser mítico, pertencente à cultura romana.
Em muitas obras visuais, Pã é representado tocando flauta. Na lenda, a Siringe é um tipo de flauta campestre inventada por ele, a partir de uma ninfa chamada Sírinx, que era violentamente assediada pelo deus-bode, até ser transformada num caule de cana pela deusa Ártemis. Na imagem que ilustra esta coluna, Pã persegue Sírinx, numa reprodução da pintura de 1620, do artista barroco Peter Paul Rubens (1577-1640).
Guerras ou ameaças de guerras, atos terroristas e vírus letais levam jornalistas, especialistas e demais formadores de opinião a reproduzirem massivamente a palavra “pânico” em suas falas.
Apesar de esquecido desde o nascimento do cristianismo no Oriente Médio, de tempos em tempos Pã ressurge com força, não mais em pinturas ou esculturas, mas manifestado no medo coletivo. Desde o século 20, vimos diversas faces de Pã, disseminadas pela mídia. Guerras ou ameaças de guerras, atos terroristas e vírus letais levam jornalistas, especialistas e demais formadores de opinião a reproduzirem massivamente a palavra “pânico” em suas falas.
Em tempos de crise, o termo “pânico” também aparece nas manchetes de jornal e revista, e essa repetição tem efeito devastador no imaginário coletivo, provocando ansiedade e levando aos indivíduos a agirem de modo irracional e egoísta.
Em meio a essa pandemia (outro termo relativo ao deus grego) de Covid-19, Pã trocou a escuridão das grutas pelas telas luminosas dos Smartphones e os bosques pelos corredores dos supermercados.
Carlota Cafiero é jornalista e historiadora da arte.
Ilustração: detalhe de pintura do artista barroco Peter Paul Rubens.
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