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Luz Profana

Atualizado: 23 de jun. de 2022

Uma metáfora para nossas pulsões de vida e morte, por Carlota Cafiero


O erotismo é revolucionário. Vejam bem, não escrevi pornografia nem sexo. Mas erotismo, um substantivo que deriva de Eros, o deus grego do amor. Na mitologia, representa o poder criativo do universo, o anseio pela vida, o desejo de se fundir ao outro.


Manifestação das emoções humanas, o erotismo não aceita a disciplina dos corpos, a domesticação dos desejos, a sujeição do sexo a fins reprodutivos.


Freud escreveu que o ser humano é dotado de pulsões que nunca podem ser satisfeitas. Como dar conta disso? Por meio de metáforas, algo que substitui temporariamente aquilo que se deseja: “Daí nasce toda a engrenagem da produção cultural humana”, observa a psicóloga Ana Laura Moraes Martinez, na palestra “Sexualidade e Erotismo em Sigmund Freud”.


Gilles Neret, na apresentação do livro “Erotica Universalis – From Pompeii to Picasso”, escreve que a diversão erótica é o verdadeiro antídoto para a angústia engendrada no ser humano pela consciência da própria morte.


O livro é um compêndio de arte erótica, desde os desenhos rupestres de Tin-Lalan, na Líbia (5.000 antes de Cristo) até as HQs de Robert Crumb, do século passado. São gravuras, pinturas, mosaicos e afrescos que representam falos, vaginas e todo tipo de situação erótica, moral ou imoral – a imaginação é livre.


O autor observa que, ao longo dos séculos, os artistas fizeram uso da Bíblia ou da mitologia na busca de um pretexto nobre que lhes permitisse dar rédea solta aos seus impulsos, sem sofrer a indignidade da censura.


Mas o erotismo não nasce da nudez nem do ato sexual. Surge quando a intenção do artista encontra nossa sexualidade reprimida. A pintura “O Beijo” (foto), de Gustav Klimt, é erótica mesmo ele cobrindo as figuras humanas com linhas sinuosas de arte floral. É nossa imaginação que dá conta do resto, do que acontece debaixo daquelas texturas.


A arte erótica sempre vai incomodar porque provoca e expõe nossas pulsões primitivas. Lembra-nos que, apesar de toda carga civilizatória, somos apenas animais. Também incomoda porque é algo que a sociedade, como um pai rigoroso, não consegue controlar.


Se a representação erótica por meio da arte existe há tantos séculos, sua capacidade de incomodar foi potencializada com a performance, surgida no início do século 20, dentro do movimento futurista francês.


Reconhecida como expressão artística somente nos anos 1970, a performance é uma arte viva, em que os artistas usam seus corpos para questionar convencionalismos sociais, comportamentais ou artísticos.


Exemplos da força da performance não faltam, e esse tipo de ação se destaca, justamente, por funcionar como um contragolpe cultural e uma reação a tentativas de censura à expressão artística. Um exemplo não tão distante no tempo é a ação do coletivo És uma maluca, no Rio de Janeiro: numa crítica à tortura, à misoginia e ao poder estabelecido, a performance intitulada “A Voz do Ralo é a Voz de Deus” foi impedida de ser realizada dentro da Casa França-Brasil, em 13 de janeiro de 2019, por ordem do governador Wilson Witzel.


No dia seguinte, a ação foi então levada à rua, mas sem nudez. Protegida pela mobilização popular, a performer apareceu numa postura de submissão, no chão, próxima a um bueiro, de onde saíam milhares de baratas (de plástico). A imagem eternizou-se em fotos e vídeos como uma metáfora dos nossos tempos e de nossas pulsões de amor e morte.


Carlota Cafiero Jornalista e historiadora da arte carlotacafiero@gmail.com


Ilustração: O Beijo, de Gustav Klint

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