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Luz Profana

Atualizado: 21 de jun. de 2022

Crônicas de um país mestiço

Por Carlota Cafiero



O pintor francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848) foi um dos artistas designados pela Corte Real Portuguesa para retratar a instauração e as conquistas do Império Brasileiro. Curiosa e contraditoriamente, antes disso ele havia participado do movimento popular e burguês que tomou a Bastilha em 1789 e fora o pintor oficial do Império Napoleônico – fundado pelo gênio militar Napoleão Bonaparte, que marchava com sua tropa para Portugal, a fim de destituir o príncipe regente, D. João VI, e obrigar o país a fazer parte do bloqueio continental aos produtos britânicos. Vale lembrar que a Inglaterra era a tradicional aliada do Império Português.


Entre ver o seu país invadido pelas tropas napoleônicas ou Lisboa bombardeada pela frota britânica – caso Portugal aderisse ao bloqueio aos produtos da Inglaterra –, D. João VI achou melhor aceitar a proposta dos ingleses de fugir do país. O destino escolhido foi a maior colônia portuguesa, o Brasil.


Em 1º de setembro de 1807, o príncipe regente partia de Lisboa, para cruzar um oceano com a família real, com todo o aparato do Estado e tesouros, incluindo o acervo de 60 mil peças da Real Biblioteca, atual Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Esse episódio está muito bem retratado pelo jornalista Laurentino Gomes, no livro 1808 (Globo Livros, 2007).


Oito anos depois da fuga de Portugal, em 1815, acontece a queda de Napoleão, marcando o fim da colaboração do pintor Debret. Unido a isso, morre o único filho do artista, o que o leva a aceitar o convite do amigo Joachim Lebreton, de fazer parte de uma expedição artística francesa ao Brasil, sob o patrocínio da corte portuguesa. Assim, em 1816, Debret aporta no Rio de Janeiro, com a Missão Artística Francesa, ao lado de Nicolas Antoine Taunay e de Grandjean de Montigny.


Influenciados pelos padrões da pintura neoclássica da França napoleônica, os três artistas inauguram a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. A corte esperava que Debret registrasse os feitos, com traços de heroísmo, de D. João VI e toda a família real. Mas o que o pintor melhor fez e onde mais se realizou foi nos retratos do cotidiano e das características da população citadina no Brasil império, também formada pelos índios e os negros. Aí repousa a maior contribuição do artista francês: é por meio de suas obras que temos dimensão de como se compunha a população brasileira no século 19.


“Tudo assenta, pois, neste país, no escravo negro; na roça, ele rega com seu suor as plantações do agricultor; na cidade, o comerciante fá-lo carregar pesados fardos; se pertence ao capitalista, e como operário ou na qualidade de moço de recados que aumenta a renda do senhor. Mas sempre mediocremente alimentado e maltratado”

Por meio de pinturas, aquarelas e litogravuras, Debret realizou uma crônica do Brasil mestiço. Em seu tempo livre, circulava pelas ruas do Rio de Janeiro, retratando índios e negros em posturas eretas e dignas, a despeito de suas condições de cativos e escravos e de toda a sorte de humilhações impetradas pela nobreza e pela incipiente burguesia (como na pintura O Jantar, de 1829, foto).


Em seu livro iconográfico Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (1834), Debret escreveu: “Tudo assenta, pois, neste país, no escravo negro; na roça, ele rega com seu suor as plantações do agricultor; na cidade, o comerciante fá-lo carregar pesados fardos; se pertence ao capitalista, e como operário ou na qualidade de moço de recados que aumenta a renda do senhor. Mas sempre mediocremente alimentado e maltratado”.


E apesar de estar a serviço do governo, assim como um correspondente de uma agência pública de notícias, Debret não foi afastado de seu dever de retratar a corte por exercer sua liberdade de expressão como artista. Bem diferente do que, passados dois séculos, vemos acontecer agora, com o afastamento de um jornalista da Empresa Brasil Comunicação (EBC), agência pública mantida pelo governo federal, por ter exercido a liberdade de expressão e o direito à informação numa cobertura para a Rádio Nacional.


Carlota Cafiero é jornalista e historiadora da arte.


Ilustração: O Jantar, de Jean-Baptiste Debret.

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