Sobre rupturas e cicatrizes
Que tempos são estes em que temos de defender novamente as instituições democráticas? Nos últimos 36 anos, nos acostumamos com a falsa ideia de uma democracia estabelecida e saudável. Mas ela sempre esteve ameaçada. Nunca se consolidou totalmente no Brasil. Hoje, mais que nunca, enxergamos de forma mais clara como a democracia é direcionada para o lado de quem pode mais, tanto do ponto de vista da influência econômico-financeira quanto do ponto de vista da geração consciente de medos e de raivas no ambiente civilizatório.
A cada dia nos vemos na obrigação de defendermos instituições, que hoje vemos como são frágeis: a Justiça, o Estado (e seus aparelhos ideológicos), a imprensa, o Ministério Público, entre outros. Cada qual com seus desvios de finalidade e corporativismos que lhe são peculiares. Mas ainda assim, fundamentais para a manutenção do avanço democrático. São processos em construção. As instituições não são perfeitas, mas é o que temos para hoje.
O discurso da vez, vindo de grupos que se associam a certa dissimulação democrática, é o de que algumas instituições atrapalham o progresso do Brasil. As instituições atrapalham o “mito”, dizem estes canalhas. Mais uma vez, o artifício da meia verdade sendo usado como verdade absoluta.
A operação Lava Jato é um exemplo claro dessa tal meia verdade sendo usada como verdade absoluta cozinhada no caldeirão ideológico e perverso da demonização do indivíduo. Uma meia verdade sendo mais perigosa que a própria mentira. Esse discurso surge carregado de nacionalismo barato, reacionarismos e patriotismos de boutique, geralmente com a camiseta falsificada da CBF no peito e aquele cristianismo de ocasião na cabeça.
Esse discurso é incorporado por grupos de neofascistas, que não conseguem conviver sequer com a ideia de democracia. Confundem a democracia com o direito de agredir os que não pensam como eles. Confundem liberdade de expressão com atos de insultar e ameaçar pessoas e instituições. E pior, quando no poder, buscam manipular estas mesmas instituições para perseguirem aqueles que não concordam com suas formas de pensamentos e de ações. São estes os que se acham portadores da palavra de um Deus punitivo e cruel para ameaçar os demais. “Só saio do poder se Deus quiser”, dizem, ensaiando uma “guerra-santa-tupiniquim”.
São esses os que se acham os representantes legítimos dessa pátria moralista e perfilada pelos que se intitulam “cidadãos de bem”. Acreditam que falam em nome de uma nação imaginária que precisa se salvar a todo custo do eterno fantasma do comunismo. Um comunismo que, tecnicamente falando, sequer existiu plenamente na face da Terra (já que comunismo implica na ausência do Estado). Esses são os que fazem o jogo canalha de empurrar esta pseudo-pátria contra as instituições (ou o que restou delas).
Daqui até as próximas eleições, em 2022, esse jogo perverso vai se intensificar. A corda será esticada na tentativa de uma possível nova ruptura (e já foram tantas rupturas nestes curtos 520 e poucos anos de Brasil).
Esperamos que a partir dessa possível ruptura surjam novas cicatrizes que transformem a democracia em algo mais forte e potente.
Desta forma, espera-se também que as chamadas “instituições” aprendam, ao menos desta vez, a não caírem mais nas mesmas armadilhas de flertar com banalizações e perseguições que criam brechas para o surgimento destas aberrações humanas da civilização.
Tais aberrações reacionárias são eficazes apenas na hora de trocarem vidas por lucros exacerbados e conchavos moralistas de ocasião. Geralmente, essa troca autoritária exige como contrapartida as riquezas naturais da nação e o sangue do povo.
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