A asfixiante luta da imaginação contra as palavras de ordem
Uma noite turva, daquelas que não guardam em si nenhuma beleza, instalou-se no céu de uma pátria adormecida. Acometido pela apatia que emana do susto, o povo guarda no olhar a surpresa repentina de um golpe feito de conspirações e duplicatas pagas por mãos ensanguentadas.
Há uma lágrima despontando na abóbada celeste tupiniquim. Uma lágrima de raiva, um pranto de dor que ecoa pelas campinas incolores desse estático estado de ressaca cívica.
Um pranto que clama por virar chama. Uma chama divina que há de cobrir de cinzas alaranjadas o cenário acinzentado que hoje conhecemos por vida. Uma vida dura e mal passada. Um século inteiro de carne de vaca vindo direto da boca obscena de um carrasco engravatado.
Lembro-me então da impactante fala de Jardel Filho no necessário Terra em Transe: “as nossas riquezas, as nossas carnes, as vidas, tudo. Vocês venderam tudo! As nossas esperanças, o nosso coração, o nosso amor. Tudo, vocês venderam tudo!”.
É triste admitir a comercialização de nossa alma pelos poderosos que capitaneiam o afeto e fazem troça de nossa paixão.
Não podemos nos enganar! O nosso sangue a escorrer pelos cantos será, para essa corja, sempre o sangue dos vermes, daqueles que merecem ser pisoteados por licitações e esquemas escusos.
Estamos, hoje, reféns de homens podres pelos crimes que cometem em nome de uma tradição fundada por senhores de escravo que insistem em usurpar e calar a nação.
Em vista dessa triste constatação, lançamos hoje um projeto de resistência desgovernada pautado pela asfixiante luta da imaginação contra a palavra de ordem que escapa dos lábios tingidos de sépia de um velho com bochechas vermelhas e alma encoleirada.
Eis, pois, a cartilha falida de luta artística contra uma vivência amordaçada:
Primeiro passo ou Declaração de Guerra:
Não há possibilidade de diálogo com o inimigo, há combate!
Segundo passo ou O medo que justifica a normalidade:
“Os governos são a prova de como os homens podem ter sucesso no ato de oprimir em proveito próprio, não importando se a opressão se volta também contra eles”.
Henri Thoreau
Se Jean Dubuffet declarou só conhecer o rosto da polícia na face do estado e, por consequência, reconhecer no Ministro da Cultura a polícia da cultura, fica claro que é preciso uma rebelião contra o modus operandi desse Estado que assassina obras e esquarteja sonhos. Se por um lado é preciso romper, destruir, por outro é preciso admitir: o desejo imediato é de um governo melhor e não o fim o fim do mesmo.
E que fique claro, estamos falando do governo enquanto modo de poder, não de governantes específicos.
Para não se render ao medo que justifica uma normalidade feita de terror, volto os olhos à obra de Herbert Marcuse quando o filósofo declara: “A sociedade industrial desenvolvida se torna mais rica, maior e melhor ao perpetuar o perigo”.
Esse perigo, modo de censura institucionalizado pelos cretinos, é uma forma de violentar aqueles que insistem na crença de um mundo que vai de encontro à existência estabelecida. O consumo, a meritocracia e o acúmulo de bens, por exemplo, são formas de atuação dessa prática perigosa, covarde e nojenta.
Continua Marcuse: “A mais eficaz e resistente forma de guerra contra a libertação é a implantação das necessidades materiais e intelectuais que perpetuam formas obsoletas da luta pela existência”.
Afora a isso ainda é preciso lidar com a informação. A informação hoje foi redescoberta através da internet, prova disso é, por exemplo, a persistente existência desse espaço. Sobre isso Marcuse dá o seguinte recado: “meios de informação em massa encontram poucas dificuldades em fazer aceitar interesses particulares como sendo de todos os homens sensatos. As necessidades políticas da sociedade se tornem necessidades e aspirações individuais, por assim dizer”.
Terceiro passo ou O anarquismo Coroado:
Com a palavra Godwin: "com que júbilo deve cada amigo bem informado da humanidade esperar pela dissolução do governo político! Essa máquina brutal, a única e eterna causa de todos os erros da humanidade, tem males de vários tipos incorporados à sua substância, os quais não poderão ser removidos senão com a sua total destruição”.
Aos que tem olhos de ver e ouvidos de ouvir isso basta!
Quarto passo ou A asfixiante luta da imaginação:
A imaginação resiste. Traça caminhos tortos através das estradas esburacadas desse destino embalsamado que nos guia. Aquele senhor de lábios envelhecidos permanecerá por ali, firme, querendo captar nossa vontade e nosso desespero.
Vivemos em um avião nivelado, carregado de gente, que não aparece no radar obscuro desses descrentes senhores do absurdo.
Não é possível que estejamos entregues a uma luta estética tão somente. Resistimos livres e sãos. Crentes em uma imaginação que não se entrega. Nós admitimos o inconsciente e enxergamos nele a única saída para esse estado fixo de submissão.
A Revolução Permanente é a necessidade de liberdade, urgente, que nos toma de assalto nesse estado insolente de desabrigados artísticos. Não nos rendemos ou baixamos a cabeça a ninguém, nenhuma das sete, tão pouco as cortadas.
Permanecermos livres, na luta, por uma vida que tardia nas demonstrações de rebeldia entrelaçadas com essa gente que insiste na entropia de uma arte que, ainda, se mantém viva.
Quinto passo ou Convite ao acaso
Vem comigo, meu bem?
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