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Câmara Escura

  • Foto do escritor: URRO
    URRO
  • 24 de mar.
  • 4 min de leitura

Mais que um Oscar

Por Hamilton Rosa Jr.


A premiação de "Ainda Estou Aqui" inspirou orgulho nacional em um país cuja cultura há muito é negligenciada. E a vitória aconteceu em pleno Carnaval. As ruas de todo o Brasil ficaram repletas de imitadores da atriz Fernanda Torres. Foi o auge da fama no Brasil: tornar-se uma fantasia de Carnaval", disse Torres em um festival de cinema na Califórnia, referindo-se a seus muitos imitadores durante as celebrações do Carnaval.

 

Fernanda Torres já era amplamente famosa no Brasil, e agora se tornou a estrela do momento do país por alcançar algo que há muito escapava à maioria de seus colegas e antecessores aqui: reconhecimento internacional.


Fernanda Torres em 'Ainda Estou Aqui': filme virou um fenômeno cultural


As redes sociais ficaram lotadas de comentários entusiasmados, muitos, inclusive, ufanistas, e teve também uma parcela, nada ignorável, disparando comentários céticos como: "Excelente pra Fernanda, ótimo também para o diretor Walter Salles e para sua produtora, a Vídeo Filmes, mas o que isso proporciona de prático para a economia brasileira?"

 

Num país que vem passando por uma divisão partidária crescente desde o impeachment de Dilma Roussef, esse tipo de comentário atesta o quanto estamos longe de qualquer unanimidade no Brasil de hoje.

 

Mas "Ainda Estou Aqui", fez bem mais do que vencer um Oscar. O filme virou um fenômeno cultural, colocou de novo na mesa a questão dos direitos humanos violados durante a ditadura militar, algo que no mandato do presidente brasileiro anterior, a história estava sendo empurrada para debaixo do tapete, e fora do Brasil ganhou uma campanha inédita (inclusive com lançamento nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, França, Itália e Espanha, numa dimensão nunca vista para um filme brasileiro).

 

Essas conquistas proporcionam crédito e investimentos de coprodução no mercado exterior. No próximo Marché du Film, o Mercado de Filmes, que acontece durante o Festival de Cannes, em maio, o Brasil está sendo considerado o país de honra. O que significa que a participação do Brasil ocorrerá em toda a programação do mercado de filmes, promovendo eventos de networking e apresentações de novas iniciativas internacionais de coprodução.

 

Como parte dos esforços, o Ministério da Cultura do Brasil, o Ministério das Relações Exteriores e a Embaixada do Brasil em Paris, capital da França, reunirão em Cannes os principais cineastas, produtores e tomadores de decisão do setor audiovisual brasileiro. O leitor pode pensar que isso refletirá apenas no esquema de produção com a França, mas não, Cannes é a maior feira de negócios do mundo no audiovisual, e as produtoras da maioria dos países do mundo estará lá firmando negócios na Riviera.


Simultaneamente no mercado interno brasileiro também o cinema começou a ser visto como algo rentável. As bilheterias de filmes brasileiros aumentaram a partir de outubro, quando "Ainda Estou Aqui" foi lançado e o filme foi puxando pra cima todos as produções nacionais que estrearam em seguida, como "O Auto da Compadecida 2", "Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa", o desenho "A Arca de Noé" e "Vitória", com Fernanda Montenegro.

 

Esse resultado apressou o governo a lançar no dia 23 de janeiro um Decreto Presidencial, retomando a Cota de Telas para a exibição obrigatória de filmes nacionais em todos os complexos, numa relação de 5 pra 1. A medida também prorroga os incentivos fiscais da Lei do Audiovisual, permitindo que empresas e pessoas físicas deduzam impostos sobre os investimentos em produções cinematográficas.

 

E o Ministério da Cultura e a Agência Nacional de Cinema (Ancine) preveem para os próximos dois anos investimentos na ordem de R$ 2,6 bilhões para financiar o desenvolvimento de novos filmes e séries para o streaming. Somadas, essas três novidades podem fazer crescer exponencialmente o mercado interno e expandir para o externo.

 

E não foi só "Ainda Estou Aqui", que se mostrou um filme rentável no exterior com sua bilheteria mundial já ultrapassando US$ 35 milhões (o equivalente a 200 milhões de reais), no streaming a série brasileira 3% produzida pela Netflix foi o primeiro programa de TV em português a obter sucesso mundial fora da América do Sul e Portugal.

 

Porém, a metade do seu público era de países na América Latina, África, e em países da Europa, como Espanha e Itália. Outros exemplos citados foram as animações Irmão do Jorel, Tromba Trem e Harry Hairy Cowboy.

 

Desde então outras produções nacionais estão ganhando cada vez melhor penetração fora do Brasil, como Bom Dia, Verônica, Cidade Invisível e Vale dos Esquecidos.

 

Esse é um caminho que impulsionou a indústria audiovisual coreana e a chinesa. Ao ajustar as intervenções políticas para incentivar o investimento, o Brasil poderia desfrutar de amplos benefícios, gerando um cenário ideal para atrair novos investimentos.

 

O entusiasmo com o Oscar de "Ainda Estou Aqui, portanto, é muito promissor e tanto o governo quanto a iniciativa privada está atenta. Cabe apenas gerar o cenário ideal para atrair novos investimentos.

 

Hamilton Rosa Jr. é cineasta, professor e jornalista.

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