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Convescote

Atualizado: 21 de jun. de 2022

Entrevista com Maurício Simionato sobre o lançamento de O AradO de OdarA



Convescote. A ideia surge do encontro, do deslocamento até o outro, da comunhão, se possível alcoólica, entre humanos. Uma conversa despretensiosa, um brindar de copos amistoso, um piquenique num fim de tarde qualquer. Convescote: um diálogo interativo, tão simples quanto delicioso, mas quase impossível nestes tempos sombrios de isolamento. E nessa edição a entrevista ainda tem algo mais especial. Regra o ditado que santo de casa não faz milagre, e por aqui não poderia ser diferente, afinal os santos da casa aqui têm um tanto de satyros e, ao invés de milagres, fazem versos, arquitetam planos de levantes populares e cultuam a liberdade feito pedra preciosa. Mauricio Simionatto é um dos idealizadores da Revista Urro e além de poeta de mão cheia é jornalista e pesquisador. O papo com ele é sobre o lançamento de seu no novo livro, O Arado de Odara, lançado pela editora Patuá. Aproveitem, como nós aproveitamos.



No prefácio da obra o poeta, ensaísta e tradutor Claudio Daniel afirma que O AradO de OdarA (editora Patuá) é o "testemunho poético de um momento trágico da história brasileira". Além disso, o livro trás como epígrafe dessa coletânea poética os seguintes versos do poeta nicaraguense Ernesto Cardeal “...E se hei de prestar um testemunho sobre minha época será este: ela foi bárbara e primitiva, porém poética.” A pergunta que fica é a seguinte: como é o trabalho diário de garimpar poesia no cotidiano desse Brasil onde a barbaridade e o primitivismo são tão absurdos e gritantes que artistas e intelectuais são inimigos declarados dos governantes do país e de seus seguidores?


M - Para escrever poesia neste contexto presente repleto de negacionistas repetidores e de violências contra a vida é preciso aceitar que tudo a nossa volta não passa de caos. Parafraseando o escritor e poeta inglês D. H. Lawrence, “o poeta é um inimigo das convenções”.


A missão é mostrar a eles que suas convenções e regras são passageiras como uma chuva caótica de verão. Jogar esse caos de volta na cara deles.

Rasgar com o punhal da poesia esse guarda-chuva ilusório com o qual eles pensam que se protegem do temporal. A saída talvez seja dar vazão as estas realidades de caos e fúria pelas quais eles, um dia, serão tragados. Basta ter a consciência de que a terra devolve a poesia a todos em forma de decomposição.


Gosto de carregar na memória a imagem de Drummond com seu eterno cântico poético de passarinho sobre a lápide deles, que apenas passarão.


A poeta e editora Amanda Vital considera O Arado de Odara como uma espécie de manifesto sócio-político-poético da atualidade. A conciliação entre protestos políticos e invenção poética nem sempre é um processo de fácil construção. Manter o vigor da denúncia político social e prezar pelo refinamento do artesanato verbal, como comenta Claudio Daniel, é uma busca constante na sua trajetória poética ou uma necessidade que surge junto a essa distopia tropical que vivemos nos últimos tempos?


M - Essa denúncia em forma de poesia é uma necessidade, no meu caso. Considero que não tenho como fugir muito dessa constatação do tempo em que vivo. O artista, de certa forma, reflete o seu tempo.


Em algumas épocas, como a atual, essa manifestação político-social se torna mais urgente quando você observa toda a desigualdade que nos cerca.

Os crimes contra a humanidade e contra a natureza acontecem desde o surgimento do que chamamos de civilização. Acho que esse embate sobre os conceitos subjetivos de evolução e de involução na raiz da arte. Reside nisso uma tentativa contínua de propor alguma expansão de consciência às pessoas e a si. Se cada poema fizer com que uma pessoa expanda sua consciência um pouquinho, já vencemos essa guerra contra os que se acham donos do mundo. Pode até parecer utópico, mas não sou o único.


O poeta, tradutor e ensaísta Claudio Willer comenta em seu posfácio que a sua escrita "passeia pelas várias possibilidades e modos de expressão da poesia contemporânea brasileira". O que inspira a sua criação e quais os maiores influenciadores da sua poesia?


M - O que me inspira é saber que qualquer coisa pode ser inspiração e que a poesia não existe sem uma boa parcela de transpiração. Essa tal transpiração também implica em você ler quantos poemas puder dos mais diferentes poetas. A poesia derruba as barreiras do tempo, portanto um poeta considerado muito antigo, pode ser pós-moderno e vice-versa. Importante é ler poetas de todos os estilos, escolas e épocas, incluindo aqueles que estão escrevendo seu primeiro poema neste exato momento.


Os poemas do futuro já estão prontos à espera que alguém os coloque no papel.

Entendo a contemporaneidade como essa fusão de tudo o que já foi escrito somado a tudo o que ainda está para ser escrito. Acho Lautréamont tão contemporâneo quanto Roberto Piva. Há uma infinidade de poetas contemporâneos brasileiros muito bons. Poderia citar uns 50 aqui e ainda assim estaria cometendo injustiças.

O poeta Ezra Pound definiu três modos retóricos para "carregar de energia" a linguagem poética. Em seu ensaio "How to Read (1927), Pound "define" a Melopeia como o mundo criativo dos sons no texto poético, a Fanopeia como aquilo que traduz o poder visual da imagem e a Logopeia como a capacidade de combinar forma e o conteúdo das palavras com o objetivo de obter beleza estética. É possível reconhecer muito claramente em seus poemas uma dedicação com a forma, a musicalidade e o impacto visual dos versos e das palavras, algo que muitas vezes poetas contemporâneos deixam de lado em defesa do desvairismo poético, da escrita quase que automática que bombardeia o leitor com imagens, muitas vezes através da violência. O poeta artesão, esse que como você trabalha palavra a palavra, é um poeta em extinção nesse mundo veloz?


M - Acho que cada poeta é levado, ao longo dos anos, a se encontrar dentro do que ele entende por poesia. O legal é poder passear pela Melopeia, pela Fanopeia e pela Logopeia ao mesmo tempo. É muito legal também bombardear o leitor com imagens potentes desde que elas sejam originais.


Gosto de pensar o poema como uma junção de imagens e palavras que nunca estiveram juntas antes.

Se esse ato de selecionar, filtrar, cortar, misturar e reescrever é uma forma de artesanato, então é importante que esse artesanato se sobreponha à velocidade dos dias de hoje em forma de poesia. Seria como se o poema durasse uma eternidade dentro da noite veloz.


Além de jornalista e ecritor você também desenvolve um trabalho de pesquisa sobre ruídos poéticos urbanos em mestrado na LabJor/IEL da Universidade de Campinas. Conte pros nossos leitores um pouco sobre essa pesquisa.


M - O objeto da pesquisa são estas ruínas do capitalismo que estão afixadas em postes, placas e muros da cidade. No dia a dia, nos deparamos com fragmentos de imagens nos meios de convivência urbanos que se descaracterizam de suas funções iniciais de mensagem por estarem, de certa forma, danificadas, rasuradas e parcialmente destruídas pela ação do tempo. São propagandas que se tornam outra coisa ao longo do tempo. São sinalizações de trânsito que ganham outras características com rabiscos, colagens aleatórias e até pela ferrugem, por exemplo.


Pretendo realizar uma incursão ao universo possivelmente poético repleto de signos e significados que povoam os mais diferentes ambientes públicos urbanos, além de apontar para a formulação de caminhos para uma análise teórica do tema. Esses caminhos implicam na observação e na interpretação permanente dos denominados “cacos poéticos urbanos” e suas diferentes formas e formatos que permeiam os indivíduos nas ruas, nas praças, postes, placas, muros, prédios, cartazes, esculturas públicas, bustos, estátuas, jardins e nos demais objetos e meios de convivência de uma grande metrópole como Campinas.


A ideia é ampliar a visão sobre o que se tratam estes fragmentos de elementos poéticos perdidos nas urbanidades e no universo frenético do cotidiano.

Será que estes fragmentos realmente podem ser encarados como poesia? Eu aposto que sim.



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