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Convescote

Atualizado: 27 de nov.

'A arte muda o mundo'

Por Cecília Gomes


A primeira vez que conversei com o percussionista Dalga Larrondo foi há mais de 20 anos. Na época eu trabalhava na Rádio Educativa de Campinas e iríamos estrear um novo programa, dedicado a entrevistar músicos, compositores e grupos musicais da cidade de Campinas. E a escolha para a abertura foi o renomado grupo Anima.

Dalga veio acompanhado de Matsuda, chegaram munidos de várias latinhas de cerveja naquela noite de segunda-feira.


Lembro de ter ficado tensa com a situação porque eu era jornalista recém contratada, recém-formada, estreando na apresentação de um programa ao vivo e bastante obediente às regras do estúdio, que funcionava na Torre do Castelo, no Jardim Chapadão. Óbvio que a regra foi flexibilizada e os músicos entraram com suas cervejas para a entrevista, especialmente por causa da argumentação irreverente do Dalga: “ Ah, não pode? A gente não sabia… e agora? Vai esquentar…ah, a gente toma rapidinho… Ninguém vai ver”.

 

Para brindar nossa segunda entrevista, 21 anos depois, levei um growler de chopp.  Entre um gole e outro, no quintal da Cia Tugudum - espaço de pesquisa, aulas e apresentação de espetáculos mantido por Dalga Larrondo e Valéria Franco há 25 anos - ele relembrou momentos de sua carreira. São 50 anos dedicados à arte de criar espetáculos para diferentes públicos - dos adultos aos bebês. 

 

O título desta entrevista é uma frase de Dalga durante nossa conversa. Você vai perceber, pela trajetória deste percussionista extraordinariamente inquieto, que a arte move Dalga a mudar e improvisar seu próprio mundo. De músico de orquestra, para a música cênica, música contemporânea, passando pela música antiga, rock and roll. Ele conta que foi agarrado - e continua sendo até hoje - pela música.

 

Atualmente, Dalga trabalha na produção de dois novos espetáculos - um para bebês e outro para o público adulto. Toca também no Zaravi (trio de música instrumental brasileira), ministra aulas de percussão no espaço Tugudum, onde promove eventos culturais com regularidade. Com vocês, o batuque, a poesia e, sobretudo, o bom-humor de Dalga Larrondo.


Dalga Larrondo: 50 anos dedicados à arte de criar espetáculos para diferentes públicos

 

Como que foi o seu despertar para a arte?


Foi pela música mesmo. Eu, ainda adolescente, vivia num ambiente musical, com o meu irmão mais velho, o Fernando, fazendo música com grupos musicais, ele tocava guitarra, compunha, cantava e ele sempre falava assim para mim: “Estuda bateria para entrar num grupo e tal.” E eu tentava fazer alguma coisa, mas não era lá essas coisas, eu estudava piano, piano erudito, desde os 10 anos. Comecei porque tinha piano em casa, a minha avó era professora de piano… Então tinha essa coisa da cultura de ensinar o piano aos filhos. E os três filhos passaram pelo piano.

 

E você gostava das aulas de piano?


Algumas eu gostava, mas eram aulas particulares e o piano é um instrumento muito solitário nesse início. Então, é difícil, você tem que gostar muito, tem que ser bem trabalhado essa ideia. Eu estudava bastante e fiquei até os 15 anos bastante ligado no piano, que me fez chegar à percussão.

 

E como foi que você encontrou a percussão na adolescência?


Fui fazer um curso de férias em Teresópolis, o curso da ProArte. Quem organizava era o violinista Alberto Jaffé (1935-2012). Lá conheci o percussionista Luiz Almeida D’Anunciação, o Pinduca (1928-2021), que fez um solo de marimba, e fiquei encantado. E fui pra lá pra fazer aula de piano com a Daisy de Luca (1935), porque estava estudando piano.

 

E que idade você tinha?


Ah, tinha 16 anos. E fiz duas vezes esse curso de férias. Na primeira vez teve esse encantamento e a Daisy de Luca falou assim: “Você gosta de marimba? Vá estudar percussão. Tem um percussionista muito bom em São Paulo, que é o Claudio Stefani”.

Naquela época, muita gente já estava fazendo percussão erudita com ele. E fui lá estudar, mas pensando na bateria, pensando na percussão popular e tal, não estava ainda na ideia de percussão erudita, porque não conhecia. Conheci a marimba, e a marimba me levou até lá. E aí o Claudio falou: “Não! Você vai aprender instrumento por instrumento. Quer dizer, na bateria, primeiro vou te ensinar a caixa, depois vou ensinar prato…”.


Ele me enganou de uma certa forma, né? (risos). Passados dois meses, ele falou assim: “Está abrindo uma orquestra em Campinas. O Benito Juarez (1936-2020) está organizando uma orquestra lá. Vai lá assistir os ensaios porque talvez eles precisem de percussionistas. Fala com o Benito que você está estudando comigo”. E fui, falei para o Benito que estava estudando com o Claudio e pedi para assistir os ensaios. Ele autorizou e depois de uns cinco, seis ensaios, apareceu uma peça que precisava de mais um percussionista, e não tinha. Aí, o Benito falou: “Você, venha cá! Sobe aí. Toca aí”.


E no primeiro concerto da Orquestra Sinfônica de Campinas, em 1975, eu já toquei. Tive que alugar um smoking para tocar porque eu não tinha. Me senti super chique (risos). Imagina, tocando numa orquestra sinfônica, super moleque, com 17 anos. E toquei na orquestra durante, praticamente, oito, nove meses, aprendendo. Porque as primeiras vezes foi difícil. Não tinha esse costume de escutar orquestra ao vivo. Eu já escutava música clássica e tal, mas tudo na vitrola, no vinil.  E, bom, isso foi me encantando, esse mundo, fui aprendendo mais coisas. Até que no final do ano, começo do ano de 1976, eles resolvem me contratar. Foi uma época que não havia ainda concurso público. E fui contratado pela orquestra em janeiro de 1976, aos 18 anos.

 

Imagina, acabei de fazer dezoito anos, recebendo um puta salário - era um dos melhores salários de orquestra do Brasil. Então me encantei, e falei:  “Nossa! Vou ganhar bem, dá para ganhar bem com a música”. Fui enganado, né? (risos).

 

E você continuou os estudos enquanto estava na Orquestra?


Sim. Estudei bastante, continuei estudando muito. Fiz um curso em Brasília, conheci outros percussionistas. E em meados de 1977, estava estudando já na casa do Cláudio Stefano, porque ele tinha parado de dar aulas no conservatório do Brooklin Paulista. E aí falei para ele que queria estudar mais teclado e tal. E ele tocava, mas não era o grande lance do Cláudio, né? Então, decidi que ia estudar com aquele cara que eu vi e que me inspirou tocando marimba. E fui atrás do Pinduca, que morava em Jacarepaguá. Então, quer dizer, era outra viagem, né? Uma viagem até o Rio, depois uma viagem até a Jacarepaguá.

 

E como era esse estudo com o Pinduca? Já tinha a improvisação? Era um estudo livre?


Não, não, nada de improvisação. Até aí, não existia improvisação na minha vida. Existia a leitura, a aprendizagem de leitura das partituras, a técnica, muito estudo de métodos de ensino, métodos de caixa, métodos de vibrafone, de marimba. Era muito nessa onda. E não rolava a ideia de improvisação. A improvisação vem bem depois. Estudei dois anos e meio com ele, indo para o Rio de Janeiro a cada quinze dias. Saía às sete horas da manhã daqui, chegava na rodoviária do Rio duas e meia da tarde, chegava na casa dele quatro e meia, cinco horas, fazia aula até umas sete horas da noite, uma baita aula.


E às vezes jantava com ele e depois ia embora. Pegava o busão de volta e chegava aqui cedinho, em Campinas, outra vez. Tinha que trabalhar também. E o Benito sempre incentivou muito isso: os estudos dos músicos da orquestra. Foi muito legal. Teve várias coisas importantes dentro da orquestra que aconteceram, mas quando chegou em 1980, a orquestra estava saturada e não queria aquele futuro para mim, de tocar exclusivamente em uma orquestra.

 

O que despertava seu interesse naquele momento?


Eu estava ligado em música de câmara; queria fazer solo, coisas assim. Porque a música de orquestra é legal, é bacana, mas o repertório era muito baseado no clássico, no período Romântico, às vezes no Barroco, pouca coisa contemporânea. E a música contemporânea do princípio do século 20, é onde que nasce e explode a percussão, com todos os conhecimentos mundiais dos instrumentos, ela ganhou um outro patamar. E, por isso, eu falava assim: “Não quero ficar na orquestra. Quero fazer um trabalho com mais profundidade de percussão”.


Então, fui pra França, onde dei de cara com o teatro musical, com o zarb ou tombak, um instrumento iraniano. O zarb me pegou muito pela técnica dele, pela sonoridade que tinha, porque na adolescência, antes de entrar na orquestra, era muito ligado na música indiana, na tábula indiana, né? Tinha uma coisa com a percussão indiana muito forte. E tinha o sonho de ir pra Índia estudar a tábua. Só que não fui pra Índia, fui pra França e estudei o zarb, o tombak.

 

Como é que foi esse encontro, lá na França, Dalga? 


Foi aleatório e foi muito rápido. Foi impressionantemente rápido. O pianista Raul do Vale (1936) tinha me indicado um professor na França, que era o Jean-Pierre Drouet (1935). Fiz o contato, mas ele e falou que não estava dando mais aulas. Então perguntei quem dava aula de percussão e ele falou que tocava com uma outra pessoa, Gaston Sylvestre, e que ele dava aulas.

 

Isso foi que ano?


Em 1980. Aí fiz contato com Gaston, e ele disse para fazer um curso no sul da França, que ia rolar durante uma semana. Vixe, eu estava louco, queria conhecer, queria ver, queria saber, queria entrar e já começar a fazer e tal, né? E fui. Separei a grana, cheguei lá, paguei o curso e quando começou…  Saquei rapidamente, no primeiro dia, que era um curso de férias. Pensei: vou perder uma puta grana sendo que na verdade quero ficar estudando com o cara. Aí cheguei par o Gaston e perguntei se ele dava aula em Paris e ele dava. Daí fui lá e pedi meu dinheiro de volta, voltei pra Paris. Dez dias depois, ele tinha voltado e no primeiro dia que eu fui encontrar com ele, foi no conservatório Pantin, no norte de Paris.


Cheguei no conservatório, estava lá procurando os percussionistas, e me disseram, sobe na sala tal. Abri a porta da sala, ele estava lá e com meia dúzia de percussionistas. Me apresentei, falando aquele francês… (risos) e ele falou: “Fica aí, bacana, vamos conversar. Eu estou fazendo um trabalho com os alunos… A gente está montando uns instrumentos aqui”. Eles estavam montando meia dúzia de zarb, de cerâmica, colocando a pele no instrumento.


Um dos caras, o Pablo Cueco (1957), chegou até mim e falou assim: “Ah, você é um percussionista brasileiro; você toca de tudo -  o pandeiro, a tumbadora etc”. Falei, não, não sou, assim, um percussionista brasileiro como você imagina, sou mais erudito. Estudei mais os instrumentos da música clássica. Depois, fiquei muito amigo dele. Bom, e eles montando aqueles instrumentos, perguntei, qual instrumento era. Eles falaram que era um instrumento iraniano. Bom, foi o primeiro encontro. Passaram umas duas ou três semanas, aí comecei a estudar.

 

Comecei a fazer aula de vibrafone, tímpanos etc, e no quarto dia de aula, entra no conservatório o Pablo Cueco, com uma mochila e fala assim: “Hoje vim substituir o Gaston, porque ele não pode vir”. Era o meu dia de aula particular. “Você quer ter aula de percussão, essa percussão que você estuda com o Gaston ou você quer ter uma aula de zarb”? Falei: “Quero ter uma aula de zarb; quero ver.” Aí pedi para ele tocar um pouco, pra eu conhecer o instrumento. Aí ele tocou e falei: “Não, não quero ter uma aula, quero ter muitas aulas. ”Aí ele indicou uma outra pessoa, que dava aulas aos sábados. Isso era uma quinta-feira. Na sexta-feira, liguei para o cara, e no sábado fiz a minha primeira aula de zarb.

 

E quem era o cara? Era iraniano?


Não. Era o François Delouse. Ele me deu a primeira aula e perguntou se eu tinha o instrumento, que era importante ter para estudar em casa. Na semana seguinte, eu falei para o meu professor que estava estudando com o François e ele achou ótimo e me emprestou um instrumento. E comecei a estudar que nem um louco. Morava num estúdio, ia pro banheiro, sentava no trono e ficava lá estudando, pra não perturbar, porque era um estúdio que era uma sala só, com cozinha.


Aí, comecei, concomitantemente, tocar zarb e a percussão erudita. Fiz o primeiro exame e assisti a algumas apresentações, já no primeiro ano, do grupo que o meu professor fazia de músicas do Théâtre Musical, que é o que a gente chama de Música Cênica, que não é a coisa da Broadway, é música erudita. E ele tinha esse grupo que fazia esse teatro musical; achava, assim, muito louco, no começo.

 

No segundo ano de estudo de percussão, eu já estava tocando para ganhar dinheiro em bares e aí comecei a tocar com Pablo Cueco, o Alguamana, que era um grupo mais de música latina. Era uma banda de uns doze a dezesseis caras. Tinha de tudo, tinha baixista, trombonista, saxofonista. Com Alguamana fizemos bailes, apresentações. Era bacana, tirava uns cachês legais.

 

No final do segundo ano, nosso professor Gaston Sylvestre propôs uma peça solo para o concurso, para passar para o último ano. Era uma música do Georges Aperghis, que se chama Graffitis. E essa música tinha cenas, era uma música cênica mesmo, porque você tinha toda uma partitura, difícil de ser tocada, bem complicada. Tinha um vocal gutural, que fazia junto com as percussões. Tinham peles, metais, madeiras e tal.


Era uma dramaturgia que criava um clima que o percussionista queria tocar com as baquetas, e não tocava, e não conseguia, não conseguia tocar. Bom, quando recebi essa peça para tocar, e comecei a fazer os primeiros estudos, falei para os meus amigos franceses assim: Oh, eu vim aqui para estudar música, não fazer teatro.

 

Jura que sua primeira reação foi essa? (risos)


Juro. Minha primeira reação foi essa - queria fazer música e não estava muito interessado na música cênica. Daí os meus amigos falaram: “Mas faça! É o que você tem que fazer” Eu falei: “Está bom, eu vou fazer porque é lição”. Esse compositor grego tinha montado essa peça para um grande percussionista alemão. E o percussionista não interpretou a peça porque ele era muito tradicional. Aí ele fez uma versão especial em francês para os percussionistas da classe do Gaston Sylvestre fazerem para o exame.

 

Bom, aí comecei a estudar, estudar e no penúltimo dia antes da prova, veio o próprio compositor na classe para ouvir a gente a fazer as versões da peça dele - era a primeira vez que seria tocado. E ele me elogiou muito. Está muito bacana, você pegou o sentido da peça, foi bem legal o trabalho que você fez. Aí um amigo meu falou que tinha um teatro no condomínio onde ele morava e perguntou se eu queria apresentar essa peça. Pedi ajuda para levar as coisas e montar, fui lá e interpretei.


Passou uns dois meses e meio que fiz a peça nesse lugar, tocou o telefone. Era uma produtora que tinha assistido eu tocar e que estava organizando um festival de música contemporânea e me convidou para fazer duas apresentações da peça. E o cachê tanto. Quando ela falou o cachê eu quase caí para trás. Eu falei: “Claro que aceito!” Emprestei os instrumentos dos meus amigos, foi um drama porque não tinha carro, fui de táxi. Fiz e foi muito legal. Recebi uma grana razoável.


Foi interessante porque a intepretação que fiz tinha momentos que usava um instrumento como uma cuíca ao revés e fazia umas coisas assim que o público ria. Essas risadas assim era uma coisa muito nova para mim. Porque na música nunca vi, não tinha essa ideia do pessoal rir, de ter essa resposta. Falei: bem bacana isso e tal. Me convidaram para outras apresentações e comecei a me interessar e pensar: será que levo jeito. E comecei a ir atrás de outras peças assim. A mesma produtora que me contratou para aquele festival falou que tinha outro festival e queria saber se eu tinha alguma peça cênica brasileira, mas não conhecia ninguém. Liguei para meus amigos e não tinha nada. Quer saber uma coisa? Sou brasileiro e vou compor uma peça. E foi assim que compus a peça Respiração. Comecei a fazer, só que o festival não deu certo, não rolou, aí não rolou fazer a apresentação lá.


Escrevi a peça, comecei a estudar. Era baseada nos movimentos. Tinha uma ideia de que queria fazer a evolução, segundo Darwin, até chegar num ser humano. De uma ameba, um peixe, em cima de um tablado. E a ideia é que todas as percussões eram a roupa. Então tinha saias de bambu, guizos no pulso, colares que tinham outros sons, sinos na orelha, sininhos na orelha.

 

Com essas ideias todas para uma primeira peça…  Você era um cara que assistia teatro?


Não muito. Era uma ideia de trazer coisas do cotidiano para percussão. O que é interessante, nesse sentido, brincar? Era a ideia de você fazer uma coisa com movimento, que era o movimento que dava toda a sonoridade da peça. Porque a minha ideia era fazer um instrumento, um caixão, como um chão sonoro de madeira, com uma certa altura, para você bater e tocar. E os movimentos que você faz junto com esses instrumentos. Essa era a ideia. Só que essa ideia não foi realizada na França. Ficou a partitura lá, não consegui fazer.


No último ano, o meu professor, chegou com um compositor francês, bastante conhecido, novo até. Ele montou um esquema dentro de uma bienal de arte e queria fazer várias performances de músicos. Aí ele montou um esquema onde os músicos de um conservatório iam compor em cima daquele esquema. Quando vi o negócio, falei para os meus amigos: “Isso aqui é um furada, né”? Era uma coisa que os caras queriam se aproveitar. Pinta de azul e roxo esse quadro.


Aí você improvisa. E ele queria chamar aquilo dele. Até aí... Ele dava uns esquemas que ele mandava, umas células rítmicas para usar e tal. Aí comecei a compor uma coisa sobre o meu cotidiano na França. Eu pegava vários tics dos franceses, da padaria, do açougue, de como eles cumprimentavam, a entonação que eles usavam, as palavras que eles sempre repetiam.

 

Você fazia as bufadas que eles dão?


Ah, fazia! Tinha a bufada, tinha aquele “ahbom”, “ahbom”, né? E o “ahbom” deles virou o surdo do samba. E aí entrava... E entrava várias coisas assim. E a gente fez na Bienal. Cheguei para o Gaston e falei: “Olha, fiz isso aqui. Vê o que você acha, mas não dava para usar aquela célula do cara. Gaston adorou e a gente fez, foi bem legal. E já era meio revolucionário. Chegava para os amigos assim, a gente ia conversar com o Gaston. “A gente não ganhou nada, trabalhou prá cacete, e o cara ainda vai levar o nome das composições? Não, a gente tem que falar com ele.” Aí ficou aquele clima, né? Aí o Gaston veio para mim e falou assim: olha, o compositor adorou teu trabalho e quer arranjar uma bolsa para você para continuar estudando aqui na França. Ai, ai, ai. Fiquei assim, né? Ah, é? Aí perguntei para ele: “Mas Gaston, diga uma coisa, é um negócio sério? Eu posso levar a sério isso?” E Gaston confirmou. 


Mas aí voltei para o Brasil, com essa experiência. Aqui não tinha trabalho, montei um crepe, que era o Crepe Suzette, fiquei dois anos com o Crepe Suzette e depois que fui contratado pelo Departamento de Artes Corporais da Unicamp, na época coordenado pela Marília Andrade. Fui contratado para dar aula de percussão e rítmica para os bailarinos. Aprendi com eles, porque era um outro mundo para mim. E aí, que conheci a Eva Valera Salles, uma professora mexicana de dança que nos primeiros espetáculos ela montou Respiração.


E eu era um cara, se não me engano, dentro das artes, que montava espetáculos para a música. Representava a música em festivais, porque ninguém ia quase. Professores não iam, e eu era o cara que tocava. Fui em um festival em Bauru, fui em um festival em São José dos Campos, em vários lugares. Assim que apareciam coisas de música contemporânea, estava tocando lá. Porque, nessa época, quase ninguém fazia música contemporânea no Departamento de Música. Entrei no departamento de artes corporais em 1985 e fiquei até 1992.


Mãos: peça para dois tom-tom, feita em 1989, quando estava na Unicamp

 

Foi um período rico pra você do ponto de vista da criação artística?


Foi um período forte que comecei a escrever coisas, a pensar em música cênica, a trabalhar essa ideia de música cênica. Então montei o Ginga I, que era um espetáculo basicamente de música cênica. Depois, montei o Flash e Queixa, que era um espetáculo que aí já estava a Valéria Franco (companheira de Dalga), já estava a Lílian Vilela, já estava a Georgia Lengos, a Daniela Gatti participou também, cantora, violoncelista, clarinetista. Era um espetáculo que montei de música e dança.


E aí comecei a fazer a peça Mãos, para dois tom-tom, quando ainda estava dentro da Unicamp, em 1989. E continuei. Porque quando saí da Unicamp, em 1992, continuei a escrever, a fazer espetáculos, a montar coisas. A partir disso, também comecei a tocar zarb solo dentro das apresentações que fazia. Em 1987, 1988, comecei a tocar no Talea, grupo de música antiga. A gente fazia praticamente música medieval, música do começo da Renascença.


Cartaz da peça Por no Ritmo de Marcelo Taube: uma ideia freudiana

 

Foi antes do Anima, né?


Sim. Pré Anima, isso mesmo. O Anima começou para mim numa primeira apresentação em 89 ou 90, acho que no Centro Convivência, junto com a Valéria Bittar e com a Patrícia Gatti. Já em 1991, a gente formou o quarteto que era eu, a Patrícia Gatti, a Valéria Bittar e o José Eduardo Gramani (1944-1998). A gente tinha um quarteto, ficamos dois anos com o quarteto, entre 1991 e 1993. Depois a gente ganhou o Prêmio Estímulo de Campinas para montar o espetáculo. Mas o primeiro CD só veio em 1997.

 

E assim, me parece que sempre Dalga teve várias coisas ao mesmo tempo, o zarb, a música cênica, a música medieval…  Essa mistura para você é uma coisa bem natural?

As músicas cênicas influenciam muito na ideia de trabalhar de uma forma mais à vontade no palco, isso me ajudou bastante. Agora, sempre é uma coisa que foi muito natural para mim, porque, dentro desses grupos (Talha, Anima e Novo Ovo Novo, todos de Música Antiga), o instrumento principal sempre foi o zarb. Era o zarb. Tocava o bendir, a moringa, tocava outras coisas, sem dúvida, mas o instrumento principal era o zarb. Fora disso, era o hábito por criar coisas diferentes, coisas novas, a ousar na percussão.


Então, quando comecei, por exemplo, em 1998, comecei a construir ou Por No Ritmo. Já tinha feito um solo que era o Mãos, que eram várias peças que fui montando, peças técnicas em que uma saía da outra. Não tinha um enredo, uma dramaturgia, um pensamento nesse sentido. Aí, apareceu a ideia de usar a percussão com a questão sexual. Principalmente pela forma dos instrumentos. Porque você tem... A percussão tem uma ideia, uma qualidade, que é essa diversidade de movimentos que você faz para você tocar e de formas de instrumentos que você tem que você toca. Então, você fala em chocalhos.

 

Você tem desde um pau-de-chuva, sei lá, de um pau-de-chuva grande, pequeno, um chocalho que é uma bola, um negócio que é um xequerê. Essa ideia de chocalho é muito vasta. São formas muito diferentes. Então, como posso tocar isso e que possa sugerir alguma coisa que vai além do tocar, que possa sugerir uma ação cênica? Uma ação que represente alguma coisa? Essa era a ideia já dentro do Mãos, mas que no Pôr No Ritmo ganhou um começo, um meio e um fim. Não eram peças isoladas. Porque no Percussão Pra Quem Gosta eram peças isoladas também, que tinham uma ligação, que era a história artistas que tinham que trabalhar em outras coisas. Por No Ritmo veio com um roteiro maior, a ideia freudiana, uma coisa que era forte da família, dos estudos da minha mãe e dos meus irmãos.

 

Conta pra gente um pouco da sua família, seus pais…


Meu pai é um cara que foi um empreendedor. Ele veio de uma cidade do Uruguai muito jovem pra cá, pra trabalhar nos laboratórios Andromaco, em São Paulo. Ele saiu de uma cidade que tinha dois mil habitantes, uma cidade pequenininha no Uruguai, e veio pra morar em São Paulo. No laboratório, conheceu minha mãe, que era técnica em química, se casaram. Ele como empreendedor, abriu uma farmácia, depois um alambique, mas o cara com quem ele abriu... Se não me engano, vendeu o alambique sem ele saber. E aí ele começou a construir e se deu muito bem na construção civil e começou a viver disso. Ele queria ir para uma cidade menor. Foi quando ele começou a construir em Campinas.

 

E já tinha vocês todos, filhos?


Já. Ele se encantou com Campinas, conversou com minha mãe e mudamos pra Campinas. Com os filhos já criados, adolescentes, ela resolveu fazer Psicologia. Entrou na faculdade na Puccamp, entrou junto com meu irmão. Os dois estudaram juntos, no mesmo ano, só que não na mesma classe. Minha mãe tinha essa formação e eles sempre foram amantes da arte, de toda a arte. Meu pai era um amante da música, era aqueles caras que não entendia nada de música, nunca tinha estudado música, mas amava música romântica, amava Tchaikovsky, Beethoven. Ele fez uma casa bem grande no Guanabara e tinha um porão da música. Era um porão enorme, onde ele tinha uma aparelhagem bacana de som; ele botava sinfonias de Beethoven e regia essas sinfonias do jeito dele, entendeu?  Então ele tinha uma paixão pela música.

 

Ele deve ter ficado orgulhoso quando você foi para a orquestra…


Então, ele estava preocupado. Quando falei que eu ia fazer música ele perguntou pra mim:  “Você gosta de presunto?” Respondi: “Gosto!”. E ele: “ Você gosta de mortadela?”. “Gosto também de mortadela”, respondi. Daí ele devolveu: “Ah, então você pode fazer música.” Meus pais sempre me incentivaram. Eles nunca chegaram pra mim e falaram “assim, não”, “não faça isso”, “faça outra coisa”. Ou “faça uma faculdade”.

 

Você descobriu desde cedo que você queria música ou você teve dúvidas?


Tinha dúvidas, sim. Gostava muito de desenho, gostava de arquitetura. Porque meu pai construía, né? E gostava muito da ideia do desenho, das ideias arquitetônicas, da possibilidade de criar coisas diferentes.

 

Mas isso foi em pouco tempo, né?


Ah, é. Já entrei pra orquestra com 17 anos. Começou aquela coisa de amor. É como se, assim, a música meio que me agarrou. Não fui escolhendo. Ela foi me pegando, pegando quando eu vi, eu já estava...

 

Que demais isso…


Eu não fui procurar, né? Foi meio que um presente. Porque conhecer o zarb foi um presente. Não fui atrás. É claro que você tem sempre um estímulo daquilo que você admira, tem a possibilidade de admirar e falar: “é isso que eu quero, conhecer mais disso e tal!”.

 

O grupo Hos Tio: amor ao rock adolescente

O grupo Hos Tio: irreverência e improvisação


E você, dentro dessa trajetória toda, você circulou por muitas coisas, até grupo de rock… O Hos Tio, como que foi?


Então, o rock era um negócio, assim, de adolescente. Muito forte. Seu irmão te chamou para tocar bateria, você não foi, aí depois, quando a vida adulta…Até tentei tocar bateria, mas não...  Não é que não foi, já tinha outras pessoas mais velhas que tocavam e tal. Sempre nos grupos dele tocava percussão, fazia uma cena ou outra. Ele teve um grupo muito louco aqui em Campinas que se chamava Indústria Brasileira de Ideias Coloridas.

 

Bem psicodélico esse nome…


Ele participou de festivais e tal, e era uma banda que, entrava no palco umas doze pessoas. Umas seis tocavam, as outras seis só faziam cena, faziam coisa, né? Era um pessoal daqui de Campinas bem maluquete: o Primo, Gustavo Reboá, Lola Satânica, uma figura aqui da cidade.  Tinha uma música que falava dos sonhos, aí num festival, fui de pijama, com aqueles gorros de dormir. Ficava deitado, sonhando e aí saía no sonho, andava no palco; umas coisas bem psicodélicas.


Fui muito roqueiro quando criança, quando adolescente. Fui daqueles caras que pegou o Emerson, Lake and Palmer no início, pegou o Genesis no início, pegou o Yes no início. Porque tinha primos que moravam na Suíça. E eles traziam os CDs pra gente. Então era Steppenwolf, era Yes, era o Cream, Jimi Hendrix, era muita coisa que as pessoas não tinham esse hábito. Fui meio que cooptado por esse gênero musical.


Gostava da música popular brasileira, gostava muito de Gil, gostava de Caetano, gostava de Milton… Mas não tinha muito apreço pelo samba, por Martinho da Vila, por exemplo, vários sambistas, não tinha esse apreço. Aprendi a valorizar morando fora do Brasil. Então, foi um tanto disso aí que nasceu o Grupo Hos Tio, desse amor ao rock e que tinha um lado político que, apesar de fazer já dentro dos espetáculos, de propor coisas diferentes e tal. Apareceu essa coisa de começar a escrever letras.


Trabalhei no Comec, um centro de orientação aos menores de Campinas - e que ers um outro mundo pra mim. Lidar com garotos que eram os caras que roubavam, tinha até quem tinha matado gente. Então era um clima pesado e comecei a trabalhar o quê com eles? O que eles mais faziam. Era pagode e rap. Comecei a entrar no mundo rap. E falei: “tragam coisas que vocês gostam de ouvir.” Então comecei a ensinar pandeiro pra eles, fazer um rap junto com eles, brincar. E aí, nessa onda, comecei a escrever, comecei a fazer letras também, ouvia as letras e comecei a fazer letras.

 

Ah, que legal, eu posso fazer...  Não preciso pensar em muita rima aqui, fazer aquela coisa dos versos muito quadradinhos e tal, vou escrevendo. E aí apareceu as letras do Hos Tio. Trabalhei no Comec entre 1993 e 1999. E o Hos Tio, na sua primeira formação, nasceu em 2000, com Paulo Freire, Esdras Rodrigues, Ricardo Matsuda e eu. Fui ensaiar com eles no Tugudum, que era lá na Carlos Grimaldi, e o Matsuda falou assim: “Que porra de harmonia é essa que não tem? Ou tem dois acordes, ou só tem um acorde só.” Falei assim: “É a música. Vocês improvisem em cima disso aí!  Vamos lá, vamos fazer!”. E aí montei esse show pra fazer no Centro de Convivência. Nessa época, já estava meio cheio do Anima, eu já estava uns oito anos no grupo, e queria fazer coisas diferentes. Queria eletrizar o Anima, sabe? Botar uns pedais no cravo (risos).

 

E não cabia isso naquele grupo, né?


Não cabia, não entrava…  Entendeu? Olha, na época o Paulo Freire até tentou, a gente foi tocar no Rock in Rio em 2001. Então assim, a gente vai tocar no Rock in Rio, vamos azucrinar, vamos mudar esse jeito de pensar, vamos explodir. O Anima foi um grupo de muito sucesso nos Estados Unidos, no México; onde a gente sempre foi muito aplaudido. Fiquei até 2008 porque queria fazer outras coisas. Nessa vibe toda que surge o Hos Tio e meio que foi mexendo nas formações. Veio Paulo Freire, Denni Pontes, a Daniela, uma cantora, o Calcinha tocou também, o Marcelo Modesto (1974-2019), veio Coré tocando teclado e Ramon tocando baixo, mas a coisa não foi muito pra frente em 2003 e 2004. Foi em 2011 ou 2012 que junto com Denni e Ramon, estava tocando bastante violão, a gente chamou o Jean Trad, pai… que chegou a gravar comigo. Depois veio o filho Pedro Trad.

 

A formação que a gente gravou, o CD, que é eu, Ramon, Coré, Denni, Pedro Trad e a Andréa Preta. Essa foi a última formação e que foi mais tempo, a gente ficou praticamente dois anos fazendo show, gravando CD, gravando clipe, né.

 

E o espetáculo Percussão Pra quem Gosta?


Foi o primeiro espetáculo Duo com a Valéria Franco, com direção da Sandra Cavallini. A gente fez temporada em São Paulo, no Teatro Aliança Francesa; nos apresentamos na Argentina, Paraguai. Aqui em Campinas fizemos várias apresentações em teatro, em lugares diferentes.


Oras Bolas: a improvisação toma corpo na obra de Dalga Larrondo

 

E como foi esse processo de sair das criações de solo em música cênica para uma criação conjunta com a Valéria que vinha da dança?


Esse processo criativo foi algo que também fluiu naturalmente; tinha entraves e depois desentraves. Acho que sempre teve, né? Na verdade, eram sempre ideias novas, né? Como que a gente vai trabalhar isso? Que elementos a gente vai trabalhar? Porque teve, por exemplo, um espetáculo que a gente foi trabalhar junto novamente em Duo, o Ora Bolas, com direção da Rosana Baptistella. E que foi quase 12 anos depois. A gente sempre fez improvisações, né? Isso é uma coisa assim que, desde o começo do Tugudum, em 1999 - e antes disso, a gente fazia, a gente fez várias participações, por exemplo, com trechos do Percussão Pra Quem Gosta, principalmente com a Marimba. Que é uma cena improvisada, né? Tinha um tanto de improviso e tinha coisas coreografadas neste espetáculo. A coisa do improviso vem mais forte no Ora Bolas.

 

Mas o que ajudou a criar esses espetáculos foi a improvisação?


Muito. Eu, por exemplo, já improvisava dentro da música contemporânea, a música cênica dentro do Por No Ritmo. Dentro do Mãos, tinha improvisos. Tinha coisas que eram assim, era como um roteiro teatral cênico, né? E dentro desse roteiro cênico, a música ia interferindo. É claro que a música, com o passar do tempo, ia ganhando algumas coisas que eram parecidas, né? Não a cristalização, mas ia ganhando um percurso que funcionava.

 

Ia ganhando um percurso que funcionava e coisas que eram mais interessantes. E acho que muito da improvisação faz parte da composição, do trabalho, né? Do trabalho tanto da Valéria quanto do meu. Muito da improvisação faz parte da composição.

 

Você é um artista muito criativo, muito inquieto, sempre querendo propor o novo, o novo, o novo… e o lugar da improvisação é esse, né? De sempre poder criar, de sempre poder surpreender…


Porque é onde, na verdade, eu acho que a gente começa a ter a despreocupação de ter um roteiro pra seguir e que o roteiro vai se formando durante a energia que você vai criando no momento, o que vai vindo, né? E esse vai vindo, ele muitas vezes é muito aleatório, sem dúvida, mas ele fomenta as ideias, né? Ele fala assim, ah, eu caí... De vez em quando você cai dentro de uns espaços onde se você não improvisasse, você não iria cair, se você só simplesmente pensasse sobre aquilo e tal. Mas o fato de você pegar, por exemplo, um instrumento, né?


Brincar com ele, olhar para ele de maneira diferente, colocar ele em posições diferentes, tocar de formas diferentes, de repente mostra pra você conteúdos que você não tem a menor ideia, não estava lá dentro, não fazia parte da tua construção. Quer dizer, ela te surpreende, na verdade. A própria improvisação, ela surpreende no sentido de ela fomenta a tua criatividade. Sabe aquela energia que cria energia?

 

Estou agora criando dois espetáculos diferentes. Um infantil e outro adulto. E os dois se baseiam na improvisação. E essa improvisação, ela vai trazendo ideias. Você vai trazendo elementos do que você conhece e vai improvisando. E é incrível como, em determinado momento, aquilo lá desabrocha, né? E é uma expressão que vai surpreender.  Mas, se a arte não surpreender... Fudeu!


Universo infantil: com mundo cheio de fantasias e criação de bichos que não existem

 

E esse trabalho agora com bebês? Como foi o seu encontro com isso? O que isso provoca em você, esse público? Essa forma de fazer teatro para esse público tão específico? Como músico, como artista?

 

Sempre tive, em muitas fases da minha vida, um público adulto. O público infantil começou com o Doutor Plástico. Começou a ideia de trabalhar um tema mais importante como educação, na verdade.

 

A educação era uma coisa importante. Quando chegou o negócio dos bebês, na verdade, não fui eu. Foi a Valéria.

 

Ela que sugeriu?


Não…  Ela não sugeriu. Foi vendo o resultado do espetáculo Dança uma História? Enquanto vocês estavam criando essa peça, estava fazendo o Hos Tio, né? Eu dizia: “Elas estão fazendo espetáculo para bebês e eu estou fazendo música pra beber (risos). E, quando vi a primeira apresentação, que vocês fizeram no Arthur Bernardes, eu chorei. Chorei porque queria entrar na cabeça das crianças. Queria entender o que as crianças estavam percebendo, o que elas estavam respirando com aquilo, com aquele olhar.


Então, eram muitos olhares que, até hoje, me comovo, me emociono. Eram olhares de aprendizagem, olhares de comoção, olhares que iam mais longe! Como que é impressionante isso! Essa ideia da primeira infância me trouxe uma percepção de futuro, talvez, né? Quando comecei a fazer o Bichos, por exemplo, queria fazer para adulto. Porque tinha uma coisa, era uma coisa assim, de pegar uns instrumentos pequenos, né? Aquela coisa de mexer com determinados instrumentos, fazer som e brincar com o meu corpo.


Posso mostrar para as pessoas esses bichos que estão dentro da gente, que envolvem a gente. Quando a Valéria viu, falou assim: “Nossa, esse espetáculo, para bebês vai ficar incrível!” Sem dúvida, acho que tem tudo a ver, que é um mundo cheio de fantasias, de criar uns bichos que não existem. Na verdade, uns bichos que são desses instrumentos que fazem sons e tal.

 

E até o Doutor Plástico, agora, estou meio que fazendo essa versão para as crianças pequenininhas, que tem o Tico, do Tico do Plástico. É o personagem que está no mar, faço o mar e aí eu vou trabalhando com os Plásticos. E o espetáculo adulto que queria fazer, para o público adulto é uma coisa de envolver a ideia amorosa, o amor ao instrumento. Todo músico tem ciúmes do seu instrumento, todo músico tem afeto com o seu instrumento, todo mundo cuida do seu instrumento com carinho.


Doutor Plástico: início do trabalho para valorizar a educação

Doutor Plástico: proposta de refazer uma releitura para o público infantil


E você escolheu o zarb para ser esse instrumento do espetáculo?

 

São dois, na verdade. Tem uma dualidade, é o zarb e o Bendir. É um jogo entre os dois.

 

Já tem data para a estreia?


Ano que vem, com certeza. O Roberto Gil tá dirigindo; tá me dirigindo. Tem essa dificuldade da distância…  Tenho que ir pra Sorocaba ou ele tem que vir pra cá.

 

E você também está vindo de um ritmo de muitas apresentações seguidas, né?


Esse mês, a gente chegou a fazer 13 com escolas…

 

Dalga, pra finalizar, como você vê as perspectivas da cultura no país a partir de agora, depois dos tempos sombrios que a gente passou?? Que balanço você faria, considerando toda a trajetória vivida até aqui?


Desde quando comecei até hoje, tenho uma percepção muito forte sobre o papel do Estado em relação à cultura. Em comparação com outros países da América do Sul, acho que o Brasil é um país privilegiado nesse sentido. Você não vê na Argentina, no Uruguai, ou no Chile essas políticas públicas de apoio a vários projetos, ou mesmo as possibilidades de atuação em circuitos como Sesc e Sesi.


Também não tiveram apoios aos artistas como houve na pandemia com a Lei Paulo Gustavo que garantiu recursos para estados e municípios aplicarem no setor cultural. Tem muita coisa aqui no Brasil e existe uma atenção a isso. É claro que essa atenção, na verdade, ela sempre falha, ela é sempre...  Ela é muito tecnicista, muitas vezes.


Então, o que falta é a ideia da importância da cultura na vida das pessoas. Tanto é que a gente tem uma boa parte da população que acha que a cultura não é necessária. É falta, na verdade, de conhecer, de saber o que é cultura. Então, vejo a importância de fazer público, de criar público. Porque só criando público, a cultura, de uma certa forma, ela tem uma certa independência. Independência do Estado, independência de projetos serem viabilizados somente por editais.

Se você tem um público ávido por cultura, você vai ter um público consumidor de tudo quanto é tipo de arte. E isso é fundamental pra você movimentar essa arte. Da mesma forma que você tem um público ávido por experimentar comidas, você tem um público ávido em se alimentar de arte. E aí você não precisa tanto do Estado.


Porque o artista vai lidar com o público de uma forma direta. Você está oferecendo a sua arte ao público, você está falando sobre alguma coisa. Então, você tem que ser cuidadoso. Cuidadoso, o que quero dizer, não é medir as palavras. Você tem que ser sincero e expressar sua arte da melhor forma possível. Uma postura grandiosa no que você está fazendo. Porque isso é muito importante para as pessoas. A minha questão é sempre essa.

 

O Estado precisa ter uma postura de ajuda para as pessoas ficarem independentes. Você não pode ter uma ajuda para sempre. Tem que ter uma ideia de desenvolvimento e a arte ser autossustentável.


Espaço Tugudum: um espaço de valorização da cultura em Campinas

Dalga Larrondo no Tugudum: arte com improvisação

 

E você fala de um lugar de quem mantém um espaço há bastante tempo…

É um puta luxo!

 

É luxo, mas é muito suor também, né?

É um suor, mas é um luxo porque que artistas possuem um espaço desse para desenvolver o seu trabalho? Não são muitos. Então, é um luxo no sentido que a gente lutou para isso, porque a gente precisa disso, precisa desse espaço.

 

Tem algo mais que você gostaria de declarar para o mundo, para o público da URRO!?


A arte muda o mundo.



Cecília Gomes é jornalista e atriz

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