Hotel Victória
Por João Nunes
Havia um prédio familiar, o Solar do Barão de Ataliba Nogueira, construído em 1894, que, dizem, até hospedou D. Pedro II de tão chique e glamouroso. Espaçoso, em dois pisos (pense nisso no século 19), tomava um quarteirão (pequeno) inteiro da cidade.
Depois, virou o Hotel Victória. Acabou tombado em 1990 – ao menos não construíram um espigão no lugar dele – e, um dia, certa visionária (dessas que não se importam muito com dinheiro, precisam dele, sabem o que quanto ele é importante, mas o desdenha, acredita na arte pela arte, crê que esta se supera por si própria) decidiu transformá-lo em centro cultural.
Foi lá que vi alguns dos mais importantes filmes dos anos 1990 – o Victória era o lugar dos filmes independentes, alternativos, de arte (ou que rótulo outro se queira dar) com suas duas salas modestas, mas eficientes. E o que mais se precisa para ver um filme?
Centro cultural, pelo menos no Brasil, parece sinônimo de velharia, museus de falsas novidades; quando administrado publicamente por pessoas incompetentes ou desinteressadas costumam virar um lugar cheio de mofo e espaço para gente sem talento.
Isso não é regra, admita-se, mas comum. No caso do Centro Cultural Victória não foi descaso nem falta de empenho. Ele se deteriorou em dívidas até fechar.
E surgiu outro visionário em 2000, mais pé no chão, mas não menos sonhador. E reergueu o espaço. Mas seu fim veio rápido, degringolou-se, se perdeu como outras tentativas naquele e em outros lugares.
Cultura, se sabe, é tão segundo plano neste Brasil – se soubessem administrar saberiam que há muito que se ganhar com ela e não só status ou marketing.
Enfim, um dia o tal centro também desabou, fechou as portas e nunca mais abriu. Isso se deu em setembro de 2006 – portanto, lá se vão uns quantos anos que antiga casa familiar que virou Hotel Victória, que foi Centro Cultural Victória, que se transformou em Centro Cultural Evolução fechou suas portas. E, parece, para sempre.
O prédio segue ali na Regente Feijó (foto). Imponente, com suas inúmeras janelas de hotel voltadas para a Avenida Campos Salles, a cor ocre, resquícios de uma era. Mas as portas estão fechadas.
Não tenho qualquer vocação para nostálgico, sei que o mundo gira e a vida segue, mas incomoda muitíssimo pensar em como – estou falando de Campinas – fazemos questão de esquecer o que o passado tem de bom e importante. Uma cidade preservada estabelece sua identidade. E o futuro não existe sem o passado.
Não queria o Hotel Victória para acalentar velharias nem para fazer dele um museu desinteressante e para poucos. Pelo contrário, eu o queria com todo o peso de sua história no coração da cidade pulsasse a própria história viva e que repercutisse no presente. Lugar de cinemas, teatros, músicas, artes em geral, aproximações, comunicações, encontros, debates, trocas, intercâmbios e muito mais.
No entanto, lá está ele trancado a sete chaves feito castelo abandonado. Talvez a Bela Adormecida durma no segundo andar e espere por um príncipe. Talvez o dragão a aprisione e impeça seu renascimento; será preciso um príncipe muito valente para arrombar aquelas portas pesadas e preguiçosas e enfrentar o tal dragão soltando fogo pelas ventas.
Curiosamente, ele nem poderá ser derrubado, pois é tombado pelo patrimônio histórico. Talvez um dia caia de podre, as paredes se cansem de sustentá-lo e lá vai ele para o chão com toda a sua história. Será assim: certo dia, abrirei os jornais e verei o digníssimo Hotel Victória no chão. Sem apelos, sem perdão.
E alguém, depois, irá fazer uma tese sobre ele e escreverão livros e farão reportagens e lamentarão pelos cantos. Outra possibilidade é que o alguém e o transforme em estabelecimento comercial. Ao menos terá utilidade. Vê-lo assim trancado por tantos anos provoca mal-estar. Nem D. Pedro II, que nem tem muito a ver com a história, aprovaria tamanho abandono.
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