Os caminhos de Rubem Alves pelo Guanabara
Por Wanderley Garcia
Éramos um tanto de pares de olhos encantados com o passeio que começava. Reunidos numa Praça do Guanabara, eu e minha companheira Gloria Cavaggioni, acompanhados da amiga Luciana de Almeida, experimentamos algo novo: levamos um grupo de mais de 30 pessoas a uma imersão pelos caminhos de um escritor. Foi um mergulho coletivo no universo de Rubem Alves.
Praça Euclides da Cunha: A Campinas do passado presente nos passos de Rubem Alves
Rubem não nasceu em Campinas, mas em Boa Esperança (MG). Com mais de meio século vivido na cidade, era um imigrante mineiro, como tantos que a metrópole atrai há décadas (inclusive eu). Veio em busca da formação em teologia para se tornar reverendo pelo Seminário Presbiteriano do Sul, que funciona na Avenida Brasil. Em 1953, no prédio grande, com fachada e colunas de tijolo à vista, começou a relação de Rubem com Campinas.
O seminário chama a atenção de quem passa pela avenida, no Guanabara. Sua fachada traz elementos da arquitetura clássica greco-romana que, com quatro colunas, fazem referência às igrejas presbiterianas do sul dos Estados Unidos. Mas o jovem estudante Rubem Alves se interessava mais pelas questões teológicas que pela arquitetura do prédio. Caminhava pelo gramado e entre os eucaliptos ao lado do edifício e refletia sobre Deus e os homens. Nestas caminhadas surgiram inquietações que mais adiante iriam formar uma das primeiras contribuições teóricas para a construção da Teologia da Libertação.
Seminário Presbiteriano do Sul: a busca da formação teológica
Em 1974, depois de ter deixado a carreira religiosa, ingressou na Faculdade de Educação da Unicamp, fortalecendo os laços com a cidade.
O campus tem inúmeros prédios com salas de aulas, laboratórios, auditórios… Mas o que encantava Rubem eram os extensos gramados com árvores em crescimento. Aos finais de semana, com atividades reduzidas, o silêncio do campus, era um refúgio na cidade grande.
Rubem escreveu: “Gosto de passear pelo campus da Unicamp, domingos pela manhã, quando o tempo está bonito. Abril, maio, o outono começou, há uma grande tranquilidade em tudo, o céu azul eterno (...) Nenhum ruído metálico perturba a calma da natureza, e de quando em quando se veem crianças correndo” (Estórias para quem gosta de ensinar).
O escritor morou a maior parte de sua vida no Guanabara. Em nosso passeio, caminhamos por ruas por onde ele frequentemente andava, como a Frei Manuel da Ressurreição. Morou em casas do bairro, algumas alugadas, outras próprias. Sentia-se bem em meio à arborização das ruas. Era uma forma de manter contato com a natureza na região central da metrópole.
Assim como o Cambuí, o Guanabara é vizinho ao Centro de Campinas. Porém foi bem menos verticalizado, conservando ainda muitas casas térreas. Apesar de ter algumas ruas movimentadas, várias delas ainda têm trânsito pouco intenso. Com muitas árvores nas calçadas, o bairro remete ao que foi Campinas no passado.
Bosque dos Italianos: refúgio para momentos de paz e reflexões
Os bosques dos Italianos e dos Alemães eram refúgios para momentos de paz e reflexões. São dois remanescentes de mata nativa no meio do bairro que ficam a quinhentos metros de distância um do outro. Entrar num dos bosques nos faz sair da correria da Campinas metrópole para outro tipo de experiências. Conforme a época é possível ver o trabalho intenso das formigas, ou então, as aranhas construindo uma infinidade de teias entre as copas das árvores, ou, no começo da primavera, as cascas das ninfas de cigarras grudadas nas árvores.
Com que árvores Rubem terá conversado, trocado ideias? Em que pássaros e insetos terá se inspirado para suas encantadoras crônicas semanais?
Também no Guanabara, ao lado do terreno onde hoje fica o campus da Universidade Presbiteriana Mackenzie, funcionou o restaurante Dali, um empreendimento que Rubem começou com um de seus filhos. Funcionava nos fundos de um sobrado que o escritor já usava. No andar de cima, era seu consultório de psicanálise. Embaixo, gostava de receber os amigos para longas e prazerosas conversas. Criou o grupo Canoeiros que se reunia regularmente para ler, discutir e saborear a vida em conjunto. O restaurante foi a extensão do prazer de cozinhar, receber e partilhar. Rubem apreciava as delícias simples da cozinha: quitutes como bolos, broas acompanhadas de um cafezinho.
Aos finais de semana, já nos últimos anos de sua vida, o escritor frequentava a feira de artesanato do bairro, na praça Silva Rego. Comia o yakissoba vendido em uma das barracas, sob a sombra das árvores de copa grande.
Praça Silva Rego: a companhia da sobra das árvores
Há 10 anos Rubem encantou (expressão de sua preferência). Partiu em 19 de julho de 2014, por complicações do Parkinson. A seu pedido, suas cinzas foram depositadas na Mata Santa Elisa, local que adorava visitar, entre Campinas e Barão Geraldo. Ouvia os pássaros, via as árvores, sentia o vento.
Em nosso passeio, revivemos um bocado desta história, conhecendo e reconhecendo os locais de preferência de Rubem. E o levamos conosco, por meio de seus textos, que foram guias para um olhar terno e ao mesmo tempo crítico sobre a cidade. Na sede do Instituto Rubem Alves, servidos de café com bolo, proseamos.
Rubem estava e está presente.
Wanderley Garcia é jornalista, editor do Janela Cultural, portal sobre viagens, cultura e literatura @dajanelacultural (dajanela.com.br)
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