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Como assistir a filmes ruins Parte V

Por paulodetarso



Quando comecei a escrever esta série de artigos, tinha em mente três coisas que cria ser importante para desvendar os filmes ruins. A primeira é a excentricidade, ou, melhor dizendo, o estranhamento[1] que em geral estes filmes possuem. A curiosidade, pois suas temáticas são bem distintas dos filmes chamados ou considerados “normais”, e, por fim, o conhecimento, ou seja, a nossa capacidade de extrair algum saber a partir de coisas aparentemente ruins.


Os filmes ruins têm uma característica que são seus nomes, que provocam nossa curiosidade, e são apelativos e sexuais, cheios de trocadilhos e peças gráficas excitantes.

O estranhamento é um tema caro às artes, é uma forma de singularidade que faz da obra um elemento de distinção das outras obras. E nisto os filmes ruins têm grande similaridade, pois tendem ao estranhamento, seja pela sua temática (piranhas, supertubarões, coisas de duas cabeças etc.), seja pela forma como são filmados, seus roteiros e a atuação de seus atores. Portanto é este estranhamento que primeiro nos seduz a não largar o filme em seus primeiros minutos, e querer saber como ele se desenrola. Há um filme, chamado “Os Cowboys de Leningrado”, do diretor finlandês, Aki Kaurismäki, onde um improvável e fictício grupo de músicos russo, adoradores do estilo pompadour[2] de cabelos, super exagerados. Além dos cabelos eles utilizam sapatos de bico fino, fino não, finíssimos e longos.


Figura 1. Mde. Pompadour estilo de Figura 2. Cowboys estilo de cabelo

cabelo



Figura 4. Isso é um sapato de bico fino!

O filme, apesar das precariedades, é um show de humor e de música, acabou fazendo tanto sucesso na Europa que gerou um grupo de verdade.


O exagero é que provoca o estranhamento e faz do corte de cabelo e dos sapatos um foco de atenção para o desenrolar do roteiro. É curioso que estas coisas não funcionariam num filme dito sério ou normal, mas aqui eles funcionam perfeitamente, pois a suspenção da crença aqui tem uma ação pequena, não que não haja, mas ela funciona pouco.


O segundo aspecto a ser ressaltado é a curiosidade. No seu livro “Uma História Natural da Curiosidade! Alberto Manguel, observa, contando sua própria história, que “O mundo está cheio de coisas óbvias que ninguém , em circunstancia alguma, jamais observa” (MANGUEL, 2016, p. 26). É exatamente isto que atrai nos filmes ruins, o fato de que são compostos de coisas obvias e comuns que somente pelo fato de serem exageradas fazem com que sejam notadas, ou melhor, quando são exageradas é que notamos que elas existem. Pessoas com estes cabelos e estes sapatos existem, mas os simples fatos de exagerar-se nas suas dimensões cria uma circunstância onde a curiosidade se aguça.


O belo é um, e somente um, dos parâmetros para o entendimento do mundo. Mas o incompleto, feio, precário ou sujo pode nos fornecer mais elementos para entender.

Os filmes ruins têm uma característica que são seus nomes, que provocam nossa curiosidade, e são apelativos e sexuais, cheios de trocadilhos e peças gráficas excitantes. Todos estes elementos acabam por atrair nossa atenção. E essa é exatamente sua função. Já que se tem roteiros fracos e atuações precárias, o cartaz atua como a melhor propaganda para os filmes. Ainda que o auge dos filmes ruins ou filmes B tenha sido a década de 50/60, até hoje se produzem filmes ruins as toneladas. A Índia, com seu Bollywood, produz mais filmes que todos os países juntos, por ano[3]!


Dentre esses milhares de filmes alguns se sobressaem, seja pelo inusitado roteiro, o uso intensivo e o estranhamento de suas interpretações, frente ao que estamos acostumados ocidentalmente. Vale a pena procurar e assistir, por exemplo, Enthiran (robô[4] em tâmil) do diretor S. Shankar com o superstar indiano Rajnikanth. É um primor!


E por fim o conhecimento. Algo que procuro passar para alunos, pessoas em geral, e, em particular, aos meus raros leitores. Conhecer significa procurar sentido nas coisas e no mundo. Os filmes ruins nos lembram de que o mundo não funciona só pela cartilha do belo; outras formas de expressão podem nos ajudar a melhor entender e compreender o mundo. O belo é um, e somente um, dos parâmetros para o entendimento do mundo. Mas o incompleto, feio, precário ou sujo pode nos fornecer mais elementos para entender.


A beleza do mundo não está só em sua singularidade, mas na pluralidade, nas diferentes visões e nas muitas formas de construir uma história.


Figura 4. Cartazes do filme Enthiran

[1] Estranhamento ou Ostranenie (остранение) foi um termo utilizado pelo formalista russo Viktor Chklovski em seu trabalho “Iskusstvo kak priem” (“A Arte como processo”). Para Chklovski, ao contrário, “A finalidade da arte é dar uma sensação do objecto como visão e não como reconhecimento; o processo da arte é o processo de singularização ostranenie - (estranhamento) dos objectos e o processo que consiste em obscurecer a forma, em aumentar a dificuldade e a duração da percepção. O acto de percepção em arte é um fim em si e deve ser prolongado; a arte é um meio de sentir o devir do objecto, aquilo que já se ‘tornou’ não interessa à arte.” Mais aqui: https://www.wikiwand.com/pt/Estranhamento [2] O estilo de cabelo pompadour é baseado em Madame pompadour, amante do Rei Luis XV, da França. Embora haja enormes variações do estilo para homens, mulheres e crianças, o conceito básico é ter um grande volume de cabelo penteado para cima do rosto, e usar a parte alta na testa e as vezes penteado para cima nas laterais e na parte de trás.


[3] Somente em 2017 mais de 2000 filmes foram produzidos na Índia, é a maior bilheteria do mundo. [4] A palavra robô deriva do checo e significa trabalho forçado, tirada da peça de teatro R.U.R. iniciais de Rosumovi Univerzální Roboti ("Robôs Universais Rossum"). Obra do autor checo Karel Čapek (1890-1938)


paulodetarso é arquiteto, artista plástico, artista gráfico e doutorando em artes visuais.


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